O kraut alemão dos anos 70 continua a mostrar a sua força. São muitas as bandas que vão surgindo nos dias de hoje e que transportam consigo o fascínio desse longínquo e prolífico período da história do rock europeu. Aliás, o Altamont tem feito eco de algumas delas, desde logo dando destaque aos discos de Eat Lights Become Lights (Modular Living) ou Les Big Byrd (They Worshipped Cats), por exemplo. Seguindo os preceitos dessa fórmula alemã, e dentro de um mesmo universo onde circulam os inevitáveis Neu!, Cluster, Harmonia, La Dusseldorf ou Moebius & Plank, chega-nos agora a banda Camera, digna sucessora dos mestres anteriormente mencionados. Estes neo-kraut rockers são de Berlim (o que lhes fica a matar) e, com o excelente Remember I Was Carbon Dioxide, tomam de assalto qualquer sistema de som que os faça rodar. A repetição das batidas motorika, as linhas melódicas intensas, frias e cerebrais fazem deste disco uma das muito boas surpresas do ano. Piscando o olho ao moderno psicadelismo reinante em algumas das melhores bandas do momento, os Camera fazem um som cheio, robusto, denso, capaz de derrubar paredes, tetos e outras estruturas físicas de igual calibre. A faixa «Roehre», por exemplo, é um autêntico tornado, levando à sua frente todo e qualquer obstáculo que se apresente. Heavy kraut sound como há muito não ouvia! Infeccioso, venéreo, mortal. Curiosamente, há alguma coisa de Paus por aqui, e isso passa pelo poder (power, que a expressão em inglês é mais expressiva), pela segurança e pela amplitude controlada do ruído emanado da já referida «Roehre», mas também audível em certas partes de «2AM». No entanto, nas 12 faixas de Remember I Was Dioxide Carbon há também espaço para momentos de calma e tranquilidade, jardins de sons suspensos em equilíbrio perfeito, como acontece, por exemplo, em «Ozymandias».
Os Camera são conhecidos pelas suas súbitas aparições em lugares inesperados e um bocado à margem das leis. Surgem em lojas, espaços públicos, estações de Metro (nas U-Bahn Platforms da capital alemã), e aí fazem autênticas jam sessions que duram até as autoridades permitirem. Os seus temas são maioritariamente instrumentais, mas por vezes surge a voz, espécie de instrumento de fala (mais do que de canto), à maneira dos maravilhosos Cosmic Jokers, em particular do disco Planeten Sit-In. Composto por camadas atmosféricas, ora mais sombrias, ora mais claras (por vezes parece o sol da manhã a espreguiçar-se, a aurora de um qualquer dia triunfal), este Remember I Was Carbon Dioxide (que achado de título!) é um perfeito exemplar de música intemporal. Caberia perfeitamente nas cenas kosmiche e elektronische dos anos 70 e 80, e como se ouve perfeitamente agora, neste findar de 2014, meu Deus! Com o muito propositado epíteto de «krautrock guerilla», os Camera apresentam-nos um longa duração de respeito, digno dos antigos mestres do género, que tão bem reverenciam. Por isso fica o conselho: não desperdice mais esta oportunidade que o Altamont lhe dá de entrar em contacto com este maravilhoso universo sonoro. É kraut, é neo-kraut, e é bom que se farta!