Voltar à paciência consequente era a grande tarefa dos Massive Attack quando do seu regresso ao estúdio. Por raras vezes mostrava Heligoland, lançado há mais de meia década atrás, a centelha de génio que abrangia a totalidade da duração dos três primeiros registos da banda de trip-hop – não obstante ser um disco sólido, muitas das suas faixas arrastavam-se com poucas ideias, não justificando a sua (desmesurada) duração.
Dir-se-ia a tarefa mais do que cumprida. “Dead Editors” abre o álbum e é passo novo e excitante para a banda: sampla-se Head Hunters de Herbie Hancock (“Watermelon Man”), transforma-se house em algo mais contemplativo, explode-se contidamente num beat jungle discretamente hiperactivo, convida-se o rapper Roots Manuva a juntar negrume a uma faixa que, por si, já não tinha pouco.
E bendito seja, igualmente, o novo sangue que permeia o novo corpo destes Massive Attack: artistas que os rapazes de Bristol ajudaram a criar levantam-nos agora do chão; em conjunto dão-nos o grupo de faixas mais transcendente desde o seminal Mezzanine. O colectivo de hip hop experimental Young Fathers e o cantautor novato Azekel incitam a banda a desvendar novas rotas e os resultados vão muito para lá do positivo.
“Voodoo In My Blood”, a canção onde colaboram os primeiros, é toda ela ritmos incessantes, um rito pagão frenético, uma experiência altamente sensorial e transformativa, resultante do combo poderosíssimo entre os ritmos e as vozes destoantes dos convidados e a esgrima que travam com os sintetizadores sibilantes da banda de Robert Del Naja. Por sua vez, “Ritual Spirit” guia-nos, entre um dedilhado brilhantemente hipnótico e ritmos africanos, palmas e batidas downtempo, até à voz apaziguante de Azekel, retorcida, cortada e modificada para, em conjunto com a guitarra no final da faixa, nos soar a orquestra alienígena.
Na última faixa, pesadas pulsantes retumbantes as pegadas do disforme piano: tão nos eleva transcendentalmente como nos apega agrilhoados à mais cinzenta das realidades – qualidade omnipresente nas melhores faixas dos Massive Attack. “Take It There” é a melhor reunião possível de um grupo com formação volátil: “Daddy G” Marshall – retornado desde o último álbum – seduz com o seu sussurro gutural, numa expiração rouca; Tricky, que não colaborava com a banda desde 1994, volta para um punhado de raps confessados baixinho – um dos seus traços característicos, associados ao que há de melhor na obra do grupo. Na construção de uma ambiência negra e assombrada, apercebemo-nos de quão vital é tê-los aos dois na banda a tempo inteiro. É neste EP a única faixa associável a caminhos já trilhados: a sua batida paciente, de qualidade analógica e caseira, associada ao crescendo melancólico proporcionado por punhaladas lutuosas no piano e distorcidas guitarras, relembrará muitos de quão bom era ouvi-los em 1998.
É um regresso ao rap (pouco dele havia em 100th Window ou Heligoland), ao negrume dançável, ao hipnotismo paciente, focado e camaleónico. Pena é só ser um curto EP, que longa já é a espera por um álbum do calibre deste lançamento.