
Francisco Silva é um nome ainda menos conhecido do que Old Jerusalem, mas ambos representam as vidas mundana e artística de um músico que o mundo português continua a não ter como referência importante de uma certa folk com sabor a Will Oldham (“Old Jerusalem” é, como se sabe, nome de uma canção do músico americano na sua encarnação Palace Music, incluída no álbum Viva Last Blues, de 1995), Bill Callahan, Nick Drake, entre outros artistas de igual calibre. Ativo, discograficamente falando, desde 2002, Old Jerusalem começou a sua carreira ao lado dos Alla Polacca, percorrendo, posteriormente, caminhos muito próprios e de grande identidade artística, nunca se desviando deles, nem entrando em facilitismos comerciais. Por vezes a solo, outras reunido com os amigos de sempre, ora produzindo discos mais intimistas, ora dando mostras de um som mais coeso de banda, mas sempre com um esgar de tranquilidade, delicadeza e melancolia como imagens de marca do seu trabalho, Old Jerusalem chega a 2016 com sete álbuns em carteira, o último dos quais dá pelo nome de A Rose Is A Rose Is A Rose, título-verso retirado, com poucas diferenças, de “Sacred Emily”, um importante e conhecido poema de Gertrude Stein, do livro Geography And Plays, de 1922.
O disco apresenta dez bonitas canções, e a importância dos pormenores (nas letras em inglês, nas orquestrações, no cuidado delicado dos arranjos do conjunto dos temas) volta a ser determinante. Old Jerusalem é um artífice, manufaturando os seus objetos sonoros com uma mestria crescente considerável. Não há uma única canção que se destaque das restantes. Não há por aqui canções orelhudas, prontas a ser adotadas por um qualquer cantarolante. O território aqui é outro, é o do recolhimento, da meditação, do recato, de uma colheita que levou tempo a tornar-se audível. O último dos seus trabalhos de longa duração, aliás, tomou forma física em 2011 (Old Jerusalem), e a diferença entre ambos, o anterior e o recente, vem sobretudo da forma orgânica dos seus nascimentos e da maneira díspar como foram pensados. A Rose Is A Rose Is A Rose marca o regresso às colaborações com outros músicos, facto que não aconteceu com o disco homónimo do início da década. Filipe Melo, por exemplo, é um nome de enorme importância na solução final do álbum, uma vez que o seu piano (elegantíssimo) e os arranjos de cordas produzidos por si, são determinantes na forma como todo o disco soa. A estética sonora final do projeto deve-se muito, na minha opinião, a ele, que já trabalhou com nomes como Benny Golson, Carlos do Carmo ou Camané.
As canções de A Rose Is A Rose Is A Rose são inquietantes, não apenas pela fragilidade delicada que apresentam, mas também pelo sentimento ambíguo que testemunham: parece haver, em doses equilibradas, uma certa angústia, mas também um rasgo de esperança em todas elas. É difícil, como referi anteriormente, destacar alguma das canções que fazem o disco, mas talvez mereçam destaque, mesmo que forçado, “One For Dusty Light”, a primeira a ser tornada pública, “A Charm”, “Florentine Course” e “Tribal Joys”, mas toda esta escolha pessoal facilmente se diluirá na qualidade equivalente das restantes composições de A Rose Is A Rose Is A Rose. O álbum vale, obviamente, pelo seu conjunto. Mas vale também pela voz de Francisco Silva, cada vez mais vizinha da voz de Kurt Wagner, dos maravilhosos Lambchop, embora apenas a espaços.
Este é, portanto, um regresso a saudar. Já sentíamos falta de um novo disco de Old Jerusalem, sobretudo nestes dias de indefinição, em que o frio cinzento do inverno aparece temperado com as águas próprias da estação, mas também com o sol a romper, impondo-se da melhor maneira que consegue. Era assim que gostaria que acontecesse com Old Jerusalem, que pudesse mostrar ao mundo a sua qualidade, impondo-a, naturalmente, perante alguma falta de luminosidade do que para aí se vai ouvindo.