Será exagerado dizer que Marlon Williams é o mais perto que temos de sentir Elvis Presley vivo? Talvez, mas mesmo assim vamos fazê-lo, simplesmente ignorando quem nos apelida de doidos.
Comecemos por um aviso a quem só conhece o álbum e não teve a possibilidade de o ver ao vivo – aquela carinha doce e contemplativa que aparece na capa do mesmo, nada tem a ver com a aparência da pessoa que entra palco adentro – um hillbilly acabadinho de sair dos anos 70, tal como a banda que o acompanha em palco. Marlon arranca sozinho ao órgão e mostra logo todo o esplendor de cordas vocais que lhe habitam o ser. Sorri perante o barulho do arranque da máquina de fumo em momento que merecia total silêncio. E assim, num piscar de olhos, está todo o público conquistado (quiçá menos o tipo que pedia insistentemente o “Party Boy”…).
Sala bem composta para receber o neo-zelandês, ele próprio assumindo que não estava à espera de tanta gente, e referindo que já não vinha a Lisboa desde os seus 18 anos. Realce para uma média de idades a rondar os 40 anos – os miúdos não querem mesmo nada saber do rock, mas também convenhamos que 25€ para um concerto de um ainda pouco conhecido dificulta a descoberta.
O que à partida seria um concerto, tornou-se num ápice numa pura e simples adoração colectiva de um fenómeno que não se dá a explicações. Marlon canta de uma forma de bradar aos céus, flirta com o público, espalha simpatia com um sorriso malandro. Sedutor nato, lá para meio do concerto, lançou uma música nova, “Being Somebody”, anunciada como tendo sido escrita para o seu filho, “but I still don’t have it, not that I know of”, e sou capaz de jurar que, naquele momento, 90% das pessoas empunhariam um cartaz com os dizeres “Faz-me um Filho”. Talvez 95%.
Comparativamente ao concerto dado há uns meses em Coura, o grande acrescento foi poder sentir em espaço fechado a amplitude de voz de Williams, ao mesmo tempo que, há que admitir, se notou mais algumas limitações por parte da banda que o acompanha. Mas é um pensamento que desvanece rápido, Marlon puxa para si o foco de luz e tudo o resto se torna meramente acessório. O discorrer do concerto foi o discorrer do álbum Make Way for Love, um dos melhores deste ano, ao qual se acrescentaram três músicas do anterior, homónimo, de 2016 (“Dark Child”, “I’m Lost Without You” e “Silent Passage”) e “Vampire Again”, single que não consta em nenhum disco. Mas o momento de apoteose ficou guardado para o fim – nunca será possível explicar a ninguém a intensidade que Marlon colocou a “Portrait of a Man”, música original do mítico Screamin’ Jay Hawkins. É daquelas que só mesmo estando lá.
Houve quem me dissesse, no pós-concerto, que estou apaixonado. Tendo em consideração que isto, de racional nada tem, há que anudir. E ir ouvir Make Way for Love over and over again…
Fotografia: Joana Raimundo
Setlist:
Modern Love
Beautiful Dress
Silent Passage
I Know a Jeweller
The Fire of Love
Can I Call You
Lost Without You
What’s Chasing You
Dark Child
Party Boy
Love is a Terrible Thing
Being Somebody
Jealous Guy (John Lennon cover, w/ Ryan Downey)
Vampire Again
Nobody Gets What They Want Anymore
Make Way For Love (no setlist escrito como Make Wafer Love :-D)
Encore:
Devil’s Daughter (Hank Williams cover)
Portrait of a Man (Screamin’ Jay Hawkins cover)