A Child’s Adventure é um disco esquecido, perdido entre as várias dezenas de álbuns que Marianne Faithfull foi gravando desde os anos sessenta. Fez em março 40 anos, e por isso fomos revisitá-lo.
Marianne Faithfull é uma icónica figura. Foi, ao mesmo tempo, estrela e vítima do estranho e doentio mundo da música pop, nos idos anos 60 e 70 do século passado. E foi também, é bom referir, uma autêntica sobrevivente. Com largas dezenas de álbuns em carteira, é comum dizer-se que Broken English (1979) é o seu melhor momento. Talvez estejam certos os que pensam assim. Mas não deixa de ser, essa escolha única e inequívoca, um parecer questionável e de enorme injustiça. Gostos são gostos, é certo, mas podem discutir-se, contrariamente ao que é vulgo afirmar-se. Sem contrariarmos, como é evidente, a qualidade desse disco de finais dos anos 70, um outro (entre vários) mereceria melhor sorte na lista dos trabalhos de cantora inglesa. Esquecido e ignorado, A Child’s Adventure é um exemplo de que a memória melómana tem lapsos imperdoáveis. Data de 1983 e apresenta um punhado de excelentes temas. Tem, entre outras, a particularidade de ser um trabalho produzido por dois dos músicos que nele tocam e que nele incluíram composições suas. Wally Badarou e Barry Reynolds, este último com um lastro grande de trabalho com a menina que se tornou ainda mais conhecida ao volante de uma estilosa Harley Davidson, e naked under leather.
Ora vejamos: os oito temas do álbum são ótimos, e se tivermos de fazer referência a apenas dois ou três, talvez as canções “The Blue Millionaire”, “Falling From Grace” e “Ireland” sejam os mais conhecidos. Mas não nos precipitemos, uma vez que outros há que não poderão cair no esquecimento, desde logo a balada que fecha o Lado A da negra rodela, cujo título é “Morning Come”. Se nunca a ouviu, não sabe o que perde. “Running For Our Lives” é outra bonita canção, algo misteriosa nas palavras cantadas, portadora de alguma inquietação. É nela que está a expressão que dá nome ao álbum. “She’s Got a Problem” é negra, marcada pela adição ao whisky, ao ponto do título dizer bastante sobre o tema tratado. É o tema que encerra A Child’s Adventure, o que poderá ser significativo, embora os versos de redenção “she had a problem” transmitam a esperança de tempos menos etílicos. Atentem na letra, que é bastante tricky, bastante singular. Curiosamente, em “Blue Millionaire” há referência ao gin, sendo que os versos “Seen him drinking gin from pale blue bottles” identificam não apenas o tão apreciado líquido, como também a marca em questão. E o que dizer de “Times Square”, na sua grandeza que aos poucos se vai construindo, até se tornar gigante? Que apetece colocá-la em repeat, pois então. E só nos falta referir “Ashes In My Hand”, também ela elegante e reveladora da qualidade de todo o trabalho.
O sucesso de A Child’s Adventure foi bastante relativo, para não dizer praticamente inexistente. Foi na Suiça, imagine-se, que obteve a melhor posição nos Tops de vendas, com um honroso nono lugar. Mas o tempo tudo silenciou e tudo fez esquecer. O álbum teve edição portuguesa em vinil. Ainda hoje não é difícil encontrá-lo numa qualquer loja de venda de discos em segunda mão, e a preço quase sempre bastante simpático. Bem mais complicado é tê-lo em CD. Foram precisos anos para que viesse ter às nossas mãos, para grande satisfação de quem vos escreve. Uma última nota para referir a bonita capa de A Child’s Adventure, muito arty e algo naif ao mesmo tempo.
Há muito que não ouvíamos esta pérola esquecida de Marianne Faithfull. Alguns poderão torcer um pouco o nariz devido à sua produção, mas julgamos que isso não fará grande sentido. Outros dirão tratar-se de um álbum demasiadamente calmo e relaxado, e aí seremos nós a torcê-lo. No fundo, o que importa é conhecer, ouvir e ponderar sobre o que se escutou. E no que toca a este A Child’s Adventure, não nos deixamos enganar por considerações menos abonatórias, e mantemos a nossa opinião, já com várias décadas de existência: é bom que se farta!