O disco homónimo de Ali Farka Touré é a certidão de nascimento do chamado desert blues.
Em ’88, a World Circuit Records lança o maliano Ali Farka Touré no circuito da música do mundo. O disco, homónimo, é o pontapé de saída do desert blues, uma fusão entre a música tradicional do Sahara ocidental e o blues americano. Touré não concordará com a definição, alegando que a sua música é mais antiga, a raiz do próprio blues, levada pelos escravos africanos para o delta do Mississippi (quando nos anos 60 Farka ouve John Lee Hooker pela primeira vez, o sentimento de familiaridade é tanto que julga tratar-se de um seu conterrâneo). Mas o itinerário parece-nos mais complexo, com deslocamentos também no sentido contrário: os filhos da diáspora influenciando igualmente a mãe África, um bonito círculo completando-se…
Se discos posteriores contarão com convidados especiais (Ry Cooder, Nitin Sawhney, Toumani Diabaté…) e com uma paleta mais extensa de timbres (harmónica, saxofone, kora…), este álbum é mais depurado e solitário: apenas Ali Farka Touré cantando à viola, acrescentando depois percussões tradicionais (tocadas também pelo próprio). As canções são circulares, desenhando o mesmo acorde em arcos concêntricos, entorpecendo-nos a cada vagarosa volta. Os dedilhados pentatónicos à viola, sem palheta, são o ingrediente mais próximo do blues, enquanto a voz sabe a África e ao deserto – tão arenosa e austera como lânguida e quente.
Tinariwen e Bombino são alguns dos seus ilustres herdeiros. É esse o legado deste disco: a nascente puríssima de um rio largo e frondoso. Tudo sem mácula e sem pressa, como o primeiro dia do mundo…