Previsão do Tempo, disco que Marcos Valle lançou no distante ano de 1973, é uma autêntica caixinha de surpresas.
Os clássicos, como bem se sabe, não têm tempo, por isso é sempre oportuno falar de Marcos Valle e dos seus álbuns, e este é o camisola 10 da sua discografia. Previsão do Tempo vem sendo até hoje um disco bastante cultuado, e são também muitos aqueles que consideram que o celebrado longa duração de 1973 é o (ou um dos) mais importante de toda a longa obra de Marcos Valle, o boy from Ipanema, como não se importa de ser chamado. É difícil encontrar alguém que mantenha um lado tão cool de mar, praia e sol como presenciamos em Marcos Valle. No entanto, há coisas que enganam, que por vezes não são exatamente o que parecem ser. O álbum de 1973 é um desses casos. Apesar do seu ar algo diletante, muito Leblon anos 50, Previsão do Tempo é um trabalho bastante politizado, e a razão é a que facilmente se adivinha: a ditadura brasileira desses anos de chumbo que a história viveu e registou. Pois, mas para que isso se entenda, e a censura da época não entendeu assim, felizmente, é preciso que o escutemos penetrando nas várias camadas de algumas das letras cantadas, assim acontecendo o mesmo com a icónica capa (e contracapa) do álbum.
Comecemos, então, pelas imagens, pelas fotografias do irmão e parceiro Paulo Sérgio Valle. Elas documentam o desespero, a aungústia, a falta de ar que existia nos inícios dos anos setenta no Brasil governado por Emílio Garrastazu Médici. Era o tempo do slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o!”, o tempo que tentava mostrar um Brasil ideal, um Brasil do milagre económico, escondendo-se o atraso galopante do país real.
A faixa que abre o disco (“Flamengo Até Morrer”) é bastante politizada. Marcos Vale sempre foi botafoguense, pelo que cantar aqueles versos da canção teria de ter alguma outra razão de ser. Como é comum em algumas ditaduras, o poder costuma usar o futebol como meio de grande distração de massas, pelo que a escolha do Clube de Regatas do Flamengo (o Mengão) acaba por ser a metáfora utilizada, uma vez que era, e é ainda hoje, o clube com a maior torcida do país irmão. Em “Nem Paletó, Nem Gravata” a sátira política também dá um ar da sua graça, apelando à juventude para tomar conta da sua importância e até do seu dever cívico na luta contra o regime de paletó e gravata instituído. Interessante é também a maneira engenhosa encontrada na canção “Tira a Mão” de, mais uma vez, apontar críticas ao poder. No Brasil, a expressão “tira” não é apenas verbo, é também uma espécie de gíria para designar “polícia”. Assim sendo, os versos “Tira a mão do meu ombro / Não sou teu irmão / Eu não quero mais papo / Vê se tira a mão / (…) / Mas tira a sua presença, se manda de vez / Vou falar francamente, não vou com você / Tira, se retira, se pira daqui” são bem intencionais sobre a vontade de mudança tendo em conta a situação vigente.
No entanto, nem tudo deverá ser visto numa perspetiva mais politizada. A canção “Mentira”, por exemplo, não parece conter quaisquer referências ao contexto histórico daquele período. Não por causa disso, seguramente, esse tema tornou-se o mais conhecido e propalado de todo o álbum Previsão do Tempo. Outros há, é claro, de enorme qualidade e com aquela típica marca solar e serena que Marcos Valle consegue quase sempre trazer em todos os seus trabalhos. “Os Ossos do Barão”, que chegou a ser tema de novela homónima, conta com o génio do maestro Waltel Branco e é uma das mais ritmadas de todo o trabalho. “Samba Fatal” e “Não Tem Nada Não” são outros momentos de particular interesse.
Previsão do Tempo é um disco histórico, como bem sabemos. Um disco que ainda hoje se ouve com um enorme prazer, faça sol ou faça chuva. Vale bem a pena espreitar por dentro desse belo objeto sonoro e mergulhar, imitando a fotografia da capa, até às suas profundezas musicais. Vai ver que sairá dele bem enxuto.
”Camisola 10”,muito engraçada essa expressão,a gente usa ”camisa 10”,”camisola”é uma peça feminina para dormir,a língua e sua dinâmica.