O regresso de Kassin a Portugal aconteceu ontem e o Altamont não faltou à chamada. Os Iguanas fizeram a primeira parte de um concerto quente como uma noite de verão em tempo de primavera.
Nada como ouvir um som tropical quando a noite se apresenta quente. Foi o que fizemos ontem. No Musicbox havia concerto duplo. Os eletrónicos Iguanas e o eclético Kassin foram os donos do palco. Dos primeiros, Lourenço Crespo e Leonardo Bindilatti, uma primeira impressão para referir que o seu pop urbano é repleto de bons beats, por vezes bem dispostos, outras vezes mais encostados a uma vertente monocórdica de texturas e ambientes a meio caminho entre a efervescência e qualquer outra coisa ainda mais pululante. Tudo sem grandes abusos, no entanto. A dupla mostrou qualidade e parece estar, se assim se pode dizer uma vez que o futuro é incerto, em momento de alguma viragem estética e musical. O tempo o dirá, mas no presente continuam a convencer os indefectíveis do estilo, sobretudo por não descurarem o lado melódico das suas composições. As letras, quando perceptíveis, fazem sorrir. Uma certa tendência boémia confere-lhes particular graça, e o sotaque sonoro a lembrar multiculturalismos vários é outro fator a ter em apreço. Cumprem sem deslumbrar e ecoam a múltiplas coisas, até a um sucedâneo canto alentejano injetado de anfetaminas. No entanto, não perdem identidade própria, o que não deixa de ser curioso. Nem um único instrumento tocado. São os “milagres” da computação. Apenas a voz foi “ao vivo”. O público cantou e dançou. A sala ficou ainda mais quente. O calor humano não perdoa, mesmo quando o público não é muito. A música moderna portuguesa não passará forçosamente por aqui, mas sempre é mais um caminho possível. Era tempo de intervalo com cerveja a copo. A preparação para os momentos de “relax estava feita.
Alguns minutos depois, chegara a vez de Kassin, nome incontornável da moderna pós MPB, músico, cantor (embora não seja esta a sua mais conseguida faceta), produtor de qualidade inequívoca. Trouxe alguns temas do saudoso projeto +2, mas preocupou-se sobretudo em apresentar o seu último trabalho, já de 2018, de nome Relax. A receita era a esperada, e os que conhecem o seu jeito algo desajeitado não saíram desapontados. Antes pelo contrário. Também é bom, por vezes, não haver surpresas de maior. E assim, por momentos, deu-se uma espécie de regresso ao passado sonoro do Brasil dos finais dos anos 60, início dos 70. Quem não se lembrou, por exemplo, de Lincoln Olivetti ou de Marcos Valle, terá sido surdo a vida inteira. Mas a misturada de toque experimental de Kassin ainda “trouxe” mais nomes à sala, mais estilos, sobretudo. Bossa, samba, jazz, rock em tons de Jovem Guarda, algumas pitadas de Tropicalismo, Rita Lee, algum psicadelismo ao barulho, tudo isto é Kassin. Tudo isto é muito divertido e bem feito, mesmo que as canções não sejam (nem têm de ser) verdadeiramente memoráveis ou clássicos instantâneos. As maiores exceções serão “Tranquilo” e a delirante “Água”. Houve, como se percebe, um pouco de tudo. Até uma mudança de frontman. Por momentos, Kassin entregou a voz e a guitarra ao seu bom e velho companheiro Domenico Lancellotti (foi boa a conversa e o abraço dado, amigo), que ontem foi um dos dois bateristas de serviço, refugiando-se ele, por instantes, atrás dos tambores e dos pratos. Acima de qualquer outra coisa, a noite fez-se em ambiente de festa e de convívio entre amigos. A música e os concertos prestam-se a isso. Ainda bem que assim é. Ainda bem que estivemos presentes.