Tudo é desmedido em Kala: mil tambores festejando a união de todas as tribos, timbres estridentes desafiando os tímpanos, uma voz blasé e insolente com quilos de swag.
Nascida em Londres, criada no Sri Lanka, refugiada na Índia e regressada a Inglaterra, como se vê M.I.A. ao espelho? Quem é? Onde pertence? A que sítio chama seu? O seu segundo e melhor disco é uma tentativa de responder a esta inquietação, a de uma identidade aos trambolhões. Angustiada por não pertencer a lado algum, M.I.A. sorve o mundo inteiro. Por isso, Kala é esta absurda síntese de quase tudo: electrónica com batuques indianos, hip-hop com didgeridoos, funk das favelas com canções dos Clash, euro-disco com bollywood. Nenhum continente se livra dos dentes esfaimados de M.I.A., todos são trincados e trinchados e trucidados pela sua curiosidade doentia.
E, no entanto, há uma só sensibilidade a ordenar todo este caos: uma primazia do ritmo sobre a melodia, da transe sobre a calmaria, da dissonância sobre o apenas belo. Tudo é desmedido em Kala: mil tambores festejando a união de todas as tribos, timbres estridentes desafiando os tímpanos, uma voz blasé e insolente com quilos de swag. Ou se ama ou se odeia este disco (não há meio termo com o transbordante Kala) – somos dos que amam o louco festim.
Kala congrega mas toma partido, dos guetos pobres contra os infames muros, dos sem papéis contra a desumanidade. Fá-lo com humor, evitando sermões, mulher-criança apenas dizendo “o rei vai nu” e rindo logo a seguir. Kala sabe a 2007 num mundo globalizado e desigual. Todas as gerações têm o seu ícone de combate. M.I.A. é, no fundo, um Joe Strummer que dança. Foste, Bono Vox…