Preludium acidental:
Luísa é beijoqueira. Luísa é muito boa onda, cheia de sol e mar. Luísa mandou um beijo há muitos anos, e eu aceitei-o, demoradamente. Luísa não demora a entrar-nos na cabeça, e muito menos a permanecer nela. Luísa não é do género de se estranhar, para só depois se entranhar. Luísa é um clássico que pouca gente conhece, e como coisa única que é, convém conhecer Luisa Mandou Um Beijo (assim mesmo, sem acento no nome Luísa) com alguma urgência, para seu próprio bem, amigo leitor. Entenda claramente o que lhe digo: este disco vai ficar consigo para sempre, e prepare-se para justificar lá em casa a existência de uma Luísa na sua vida! Vai ver que não será incómodo, até porque ela (a Luísa) vai entrar na vida de todos lá de casa também. Não é uma questão de género, nem de número, mas apenas uma questão de (pouco) tempo até isso acontecer. Luísa é mesmo muito beijoqueira, e beija mesmo muito bem! Ao ouvido, principalmente.
O ano de 2005 deu-me bastas razões de contentamento (desde logo pela vitória no campeonato do meu adorado Benfica), nas quais incluo algumas boas surpresas musicais. Sobretudo porque foi nesse ano que o primeiro longa dos Luisa Mandou Um Beijo se deu a conhecer. Foi amor à primeira audição, e tenho para mim, ainda hoje, que dificilmente terei tão grata revelação nos anos vindouros mais próximos. A empatia foi imediata, tal a quantidade de canções bem construídas que o projeto carioca mostrou. Quem nunca os ouviu, e em particular o que produziram neste disco, não poderá imaginar as preciosidades de que são capazes. Luisa Mandou Um Beijo (Midsummer Madness e Volume I, 2005) abre logo com uma canção que se gruda (a expressão abrasileirada é propositada) à cabeça e aos ouvidos como lapa em rocha à beira mar. Falo de “Amarelinha”, primeiro diamante indie-pop que nos obriga a cantar os seus poucos e quase tolos versos, até que a voz nos doa. O trompete inicial, a forte batida que nos obriga a dar ao pé imediatamente, as guitarras bem arranhadas rumo à sala de dança mais próxima, e a voz etérea, quase frágil de Flávia Muniz conjugam-se de forma perfeita. O mesmo com “Weep-Out Man”, outra pedra preciosa irresistível de tão doce, quase imprópria para melómanos diabéticos. Mas o momento maior é “Anselmo”, com uma letra de forte conteúdo cinematográfico, canção superlativa, bonita homenagem à Nouvelle Vague, ao Cinema Novo produzido no Brasil (é brilhante o encaixe áudio do excerto de “O Pagador de Promessas”, filme muito aplaudido pela crítica, premiado com a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1962), e ainda ao génio louco que foi Bunnuel. Se há canção pop perfeita, aposto nesta todas as minhas fichas com a certeza absoluta de não as perder. Algumas influências de Pato Fu (banda admirável do roquenrou brasileiro), de Los Hermanos e dos Mutantes começam a fazer sentido na nossa cabeça à medida que o disco avança. Mas Luisa Mandou Um Beijo também ouve música europeia, e não errarei muito ao apostar que em casa dos membros da banda será fácil encontrar exemplares de discos dos Beatles ou dos Belle and Sebastian, por exemplo.
Segue-se “Guardanapos”, e de novo Los Hermanos à la “Ventura” andam no ar, desta vez com um certo toque de dadaismo musical, com repentes rítmicos bem dançantes, uma alegria para o corpo e um desgoverno para as ancas de qualquer mortal. Mas o disco não pára, e não nos deixa respirar mais pausadamente: “Bauhaus Today” entra em cena, e nova romaria de referências em estilo próprio (parece contradição o que digo, mas não é, acreditem) vão-se fazendo ouvir. As letras continuam inusitadas, como por exemplo na passagem “Eu gosto da caixa de biscoitos natalinos que ela fez”, verso que nunca mais deixamos de cantarolar, mesmo depois de colocado o disco na estante. “Desfeito em Luz” entra de seguida, num tom mais brando, e a canção marca o que seria, nos saudosos tempos do vinil, o fim do Lado A. Que grande leque de canções, e todas de seguida, meu Deus!
“Julia” (assim mesmo, sem acento) ataca-nos com os seus tons indie pop e torna-se facilmente uma das preferidas do disco: “Acorde tarde, Julia / Você nunca se lembra / Que um dia vou chegar / Trazendo-lhe o sol / Estampado na camisa / E uma luneta de montar”, e volta a ser verão, volta a surgir uma brisa suavemente fresca até chegar “Sou Manu Chao / mano negro / Rappa Rappa” mote da canção “Maracanã”. Mais influências, como se pode ler e ouvir. “Com um Pote de Geleia de Morango nas Mãos” vamos avançando até “Carinhoso”, versão roqueira de uma das mais conhecidas e emblemáticas canções brasileiras de sempre, composta entre 1916 / 1917 por Pixinguinha, com letra de João de Barro acrescentada mais tardiamente à melodia original. “Hoje o Mar Dançou no Céu” termina o disco, mas o clima de festa continua em nós. Impossível não continuar! Luisa Mandou Um Beijo é comemoração, é regozijo, alegria e foguetes no ar!
Postludium intencional:
Este é o primeiro disco que a banda gravou, sendo que dois outros já foram feitos até à data. Infelizmente, a tiragem dos discos acontece sempre em número residual, pelo que apenas os tenho em formato digital, embora devidamente transformados por mim em cd. Por falar nisso, e como o texto já vai estando demasiadamente longo, peço-vos que me desculpem, mas estou sem pilhas na porcaria do comando, e tenho de me levantar para meter a Luisa a tocar outra vez.