O novo Severo é mais ambicioso e contemplativo, mais exigente e amadurecido, mais profundo e indizível. Temos escritor de canções.
Quando Luís Severo apareceu, pensámos: sim, está bem, é engraçado, mas ninguém se lembrará para a semana de mais este filho do B Fachada. Entretanto novos discos foram surgindo, com melodias inventivas, palavras cuidadas e uma sensibilidade muito própria: delicada e urbana, frágil e romântica, quase antiquada. Quando em 2017 nos revela a perfeição pop do seu disco homónimo tornou-se mais árdua a tarefa de o mandar abaixo. Mas não desistimos logo da nossa má fé. Alimentámos a secreta esperança que surgisse um pequeno percalço no álbum deste ano…
Foi então com profundo desapontamento que recebemos o maravilhoso O Sol Voltou. Que ódio à realidade então tivemos, que asco aos factos. Não foi só a beleza das canções – e a produção orgânica à Cohen e Fausto dos anos 70 – que nos abespinhou. Foi também a sua arrogante ousadia: a de ter arriscado um caminho estético novo, ainda para mais com bons resultados. Onde Luís Severo era citadino, bem-disposto e “orelhudo”, O Sol Voltou é pastoral, melancólico e deliciosamente esquivo. Os acordes dissonantes de “Rapaz” não se apanham à primeira. E nunca se consegue agarrar totalmente a sua neblina campestre, os seus dedilhados etéreos, as suas teclas de brisa. A voz de Severo é difusa, toda ela sonho e contemplação. Mas a sua névoa bucólica vai-se entranhando devagar até nós nos sentirmos também brisa no campo. Fazer simplesmente um bom disco seria algo demasiado vulgar para si. Buscou e conseguiu a própria saudade. Irra, que aviltante imodéstia!
Tudo isso amplificado pela sua petulante auto-suficiência. A simples grandeza indizível de O Sol Voltou não lhe bastava. Era também imperioso que tudo nascesse das suas mãos. De maneira que o disco é integralmente escrito, interpretado e produzido pelo próprio. Como se dissesse: só eu existo, sou o universo inteiro, todos vós não passais de meras projecções da minha mente brilhante. Bah! Como é odiável o ego dos artistas!
Somos o Altamont. Custa-nos muito mas a nossa honestidade intelectual obriga-nos a dar uma boa nota a este álbum. Já nos cheira, porém, ao sangue do próximo disco. O assobio sinistro do amolador ouve-se ao fundo…