Em apenas oito canções, Luís Severo afirma-se como certeza cada vez maior da música nacional. Um disco simples, que parte da estreita relação entre piano e voz, mas rapidamente levanta voo e faz uma ponte entre a Lisboa de hoje e de há 40 anos.
Porém, é essencial uma nota prévia. Para uma fruição plena deste disco, recomenda-se uma escuta inicial descomprometida, para remover a casca que pode parecer colar este artista a outros, de B Fachada a Capitão Fausto, de Zeca Afonso a Jorge Palma. Porque é possível que o primeiro impacto que se tenha com estas canções faça lembrar outros. Mas depois de removida essa casca preconceitual e chegando ao osso das canções, percebe-se que estamos perante um disco belíssimo de um artista que é bem mais que cópia.
Para quem não conhece, Luís Severo é o mesmo que há uns anos lançava música de forma semi-anónima enquanto Cão da Morte; mais tarde, ao lado de Coelho Radioactivo, formou os Flamingos e há dois anos assumiu-se como escritor de canções em nome próprio. Lança agora o segundo álbum, em que se assume ainda mais e dá ao disco o seu próprio nome.
Luís Severo é um disco que o consolida como compositor e intérprete, que embora ainda esteja à procura do seu lugar no cancioneiro nacional, faz aqui uma grande exclamação. Em 2015 ofereceu-nos Cara d’Anjo, um registo mais folgazão, com algumas camadas mais difusas de instrumentos e estilos, mas em que já dava para perceber o quilate do escritor de canções com sentido de melodia altamente apurado.
Dois anos depois, apresenta-nos um álbum mais maduro, mais focado e mais apurado. Onde antes era folgazão, agora está confessional, onde escrevia jovial agora fala de dores de crescimento. Onde era algo difuso, agora centra-se no piano como veículo primordial, acompanhado em doses certas por guitarras, violinos ou flautas.
O novo disco é também fruto de novas circunstâncias. O garoto cresceu, arranjou casa, portanto renda e contas para pagar. E foi gravar o novo álbum para o estúdio de Alvalade, casa dos Capitão Fausto, onde encontrou um local diferente do estúdio anterior, menos movimentado e com mais espaço e tempo para trabalhar as canções, sozinho ao piano. E isto ajudou a moldar o som do novo disco.
Também a zona de Alvalade está embutida neste álbum. Não se vê claramente visto, mas imagina-se facilmente o rapaz a passear naquelas ruas, amplas e arejadas – como arejadas são as canções deste disco – calcorreando da estátua do Stº António até ao Vá-Vá, onde inalou por osmose um pouco de yé-yé (vide “Boa Companhia”).
Não só Alvalade, mas sobretudo Lisboa, não só Lisboa mas sobretudo Portugal, este álbum não podia ter sido feito em qualquer outro sítio do mundo. É certo que há as influências estrangeiras, de Nick Drake a Sufjan Stevens, mas não são fundamentais. Este disco podia ter sido composto por alguém que nunca tivesse ouvido música cantada em inglês. É rica a herança musical portuguesa e Severo faz dela excelente uso, por exemplo, reciclando os baladeiros dos anos 60 e 70. Se queremos falar em influência estrangeira, basta ir a Cabo Verde, aos toques de morna em “Planície (Tudo Igual)”.
Em 8 canções e cerca de meia hora, Luís Severo dá mais um passo num percurso que se adivinha bem sucedido. Não é fácil destacar-se, num cenário em que há cada vez mais gente a fazer e lançar música, mas Severo começa a reclamar um lugar próprio. Seguindo uma estética própria – muitas vezes borrifa-se no formato tradicional de verso/refrão – tem o sentido melódico bem afinado e escreve com tal honestidade que nos desarma. Queremos muito ouvir os próximos discos de Luís Severo para comprovar o que aqui se disse, mas este já ninguém nos tira e é um conjunto de oito canções lindíssimas.