Little Simz, como assina a artista de 25 anos, iniciou-se na vida musical aos 16 anos com a mixtape STRATOSPHERE. Desde então editou meia dúzia de EPs, outras três mixtapes e ainda dois discos. E apesar da indubitável qualidade de Stillness in Wonderland (2016), nada do que fez até agora se compara ao registo editado em 2019.
“I’m Jay-Z on a bad day, Shakespeare on my worst days” – é preciso uma grande dose de confiança para rapar isto em disco, mas acima de tudo é preciso dar provas. E provas é coisa que não falta aqui. A britânica Simbiatu ‘Simbi’ Ajikawo tem substância de sobra para sustentar estas palavras que cospe em “Offence”, a canção que abre GREY Area, um dos grandes discos do ano (e da história do hip-hop).
Se no disco anterior, o acima referido Stillness in Wonderland, Simbi contava uma história à semelhança do que fez Kendrick Lamar em Good Kid, M.A.A.D City, GREY Area é mais uma série de fotografias da vida da rapper, tendo um tom e uma sonoridade mais íntima que é conseguida através de uma aposta nos instrumentos tradicionais, que substituem os samples. “Eu escrevi o disco a partir de um lugar onde eu queria apenas despejar os meus sentimentos, pensamentos e emoções e dá-los todos ao ouvinte de uma forma tão crua e honesta quanto possível”, disse em entrevista aquando do lançamento do disco.
Em dez faixas, Simbi consegue trazer canções contundentes e ácidas, mas também melodias embutidas de uma sensualidade tremenda. “Offence” abre o disco mostrando que Simz não está para aturar merdas de ninguém (“I said it with my chest and I don’t care who I offend”) e em “Boss” demonstra que ninguém a pode parar porque neste momento é ela que manda (“I’m a boss in a fucking dress/ Nigga, stay in line”). Para sublinhar esta declaração de princípio está uma linha de baixo suja e crua que, se houver ouvidos e coragem para tal, será samplada dezenas de vezes no futuro.
É de admirar a forma como, ao fim de duas faixas tão pesadas como “Offence” e “Boss”, Simz surja com uma canção tão sensual quanto “Selfish”, onde recorre à voz de Cleo Sol para tornar o caso ainda mais tórrido. O acompanhamento? Uma bateria a marcar bem o compasso 4/4, um baixo cheiinho de funk, uns violinos tímidos e aí está: canção para fechar a noite e levar o date para casa antes que as feromonas se evaporem. Mas GREY Area não é apenas desafio e sensualidade (embora seja muito isto) – é também abertura e vulnerabilidade, como mostram “Therapy” e “Sherbert Sunset” (com uma bela linha de piano e um refrão que assenta num coro bem ensaiado). O disco permitiu a Simbi explorar vários géneros, como o R&B, em “Flowers”, com Michael Kiwanuka, ou o trip-hop, em “Venom”, sem nunca sacrificar a sua veia de rapper, particularmente visível em faixas como “Venom”, “Pressure” ou “101 FM”.
Apesar da tenra idade, Little Simz é um nome que se adivinhava marcar o futuro. Kendrick Lamar disse que ela era a “illest doing it right now”. Lauryn Hill e Nas convidaram-na para ir em digressão e a crítica desdobra-se em elogios cada vez que cada registo é editado. Com GREY Area Simbi apaga o seu estatuto de “promessa” e insere o seu nome nas certezas indubitáveis. O nosso coração é dela.