Como seriam os blues se tivessem nascido nas margens do Mondego em vez de nas do delta do Mississipi? Paulo Furtado, o senhor Tédio Boys, a.k.a. WrayGunn, também conhecido por Legendary Tigerman, volta no sexto disco a solo a tentar responder à pergunta. Ele, nascido em Moçambique, criado em Coimbra e feito um dos músicos portugueses mais sólidos dos últimos anos, volta à carga com True, ali entre os blues e o bom velho rock n’ roll.
Apresentando-se como um animal selvagem de coração partido, Furtado quer companhia em casa e, sem grandes truques, vale-se da guitarra para reconquistar a sua musa, a mesma que há séculos alimenta os homens mais ou menos tradicionalistas dos blues. Mas, como qualquer animal ferido, Furtado não é meigo, e nem os consideráveis anos de estrada que acumula no corpo lhe amansam os riffs. Em «Gone» junta palmas, instrumentos de sopro e um deles bem ao jeito do delta. Em «Dance Craze» lembra que por lá sempre se dançou e em «Twenty First Century Rock n’ Roll» exibe o porquê de ter um estatuto único na música portuguesa.
Paulo Furtado, o lendário tigre, nunca foi um simples músico de blues ou de rock n’ roll. Se a sua música nunca perdeu o perfume sulista, por ali, pelas margens do Mondego, este também nunca faltou, e Furtado não é homem de renegar as origens. Em True, a associação é tão inevitável como previsível, volta a mostrar honestidade e uma rara dedicação aos cânones da boa guitarra.
Com a música portuguesa em ebulição, com projectos novos a aparecerem a um ritmo raro, é tranquilizador ver que os velhos lobos se mantêm em forma, que nem por isso cedem ao sabor da época. Depois de no requintado Femina ter mostrado pertencer a uma divisão à parte da música portuguesa, em True Tigerman prova que as guitarras soam tanto melhor quanto mais os seus donos têm para contar. Acompanhado ou a solo, True é um dos melhores discos a contar com a voz e as seis cordas de Tigerman. Um disco imperdível para todos os fãs do som mais célebre das margens… do Mondego.
Bom texto!