Space Heavy é coisa rara, celestial e inusitada. Toda a sua deliciosa estranheza vem de um lugar indizível onde habita um rapaz de nome King Krule.
Parece-nos haver mais certezas do que dúvidas, embora ainda estejamos a cinco meses do final do ano. Há, portanto, muito tempo pela frente, mas pelo que já ouvimos, vai ser difícil retirá-lo do futuro podium de dezembro. Que lugar irá ocupar? Isso nem os zandingas desta vida saberão, mas que será cimeiro, disso estamos convictos.
No entanto, a pergunta (pelo menos a primeira que nos vem à cabeça) que urge fazer é a seguinte: o que tem Archy Marshall para nos oferecer assim de tão irresistível? A resposta, não sendo complicada de dar, não se redige em duas linhas. Por isso, vamos lá ver se concordam (ou não, o que também é legítimo) connosco.
Talvez poucos saberão de quem falamos, quando avançamos com o seu próprio nome, Archy Marshall. Trata-se de King Krule, e dito assim, é o que se espera, já haverá por aqui quem o reconheça. Isso mesmo, o músico de Southwork que inicialmente era conhecido por Zoo Kid. Pois King Krule lançou um novo longa duração, e é sobre ele que nos ocupamos. Chama-se Space Heavy e veio para ficar.
Uma das coisas mais intrigantes e interessantes de Space Heavy é não querer dar-se a conhecer de imediato. Parece esquivar-se. Parece que não se deixa olhar (ou será melhor dizer ouvir) de frente. Ou seja, está feito e apresenta-se com um esgar de inquietação e de mistério que são, no mínimo, dignos de maravilhamento. Parece ter sido feito para não nos facilitar a vida, e esse é o seu mais importante trunfo. Mas há mais. Space Heavy é um objeto sonoro que parece transitar entre um qualquer lugar desconhecido e um outro que igualmente se ignora qual seja. E assim, nessa fascinante indefinição, está outro dos seus principais atributos. Que caudal de som é este que passa por nós sem que saibamos bem o que está a acontecer? E é precisamente nessa interrogação que a sua derradeira e vital cartada se joga: Space Heavy e King Krule são, por assim dizer, únicos nas suas idiossincrasias. Querem melhor? Pois, é difícil, não acham?
Space Heavy tem quase três quartos de hora de duração. Depois de ouvidas as suas quinze composições, parece que chegamos a meio de um jogo sem segunda parte. Ele exige prolongamento, e esse requisito só se atinge puxando o filme atrás. E assim consecutivamente, até nos sentirmos a jogar em casa. Só aí começamos a perceber melhor o que já havíamos reparado, embora de forma meramente impressionista: é que há canções enormes, aqui. Não daquelas para passar na rádio. Para essas, há tantos outros artistas, não é verdade? Estas deixam um rasto de pequenos destroços sonoros que soam de maneira divinal. Sem exageros, sem artificialismos, dialogando francamente connosco num dialeto kruliano muito próprio e sem precedentes. Ouçam (o disco todo, na verdade) “Flimsier” e digam lá se não estremece qualquer coisa em nós? Ouçam “Seaforth” e digam lá se é fácil escutar alguma canção recente que seja tão perturbadora e bela ao mesmo tempo? Parece vinda de um abismo que nos quer sugar. E nós mortinhos… Ouçam a disciplinada fritaria de “That Is My Life, That Is Yours” e vejam lá se precisam de melhor companhia?
Para se fazer um disco como Space Heavy deve ser necessária muita disciplina. Pode até parecer que não, que os temas foram nascendo livremente numa espécie de jam onírico ou coisa parecida. Mas nós pensamos que não, que é exatamente o contrário. Há aqui muito detalhe, muita precisão, ordem e contensão, grande esforço para se conseguir um disco dotado de inteligência e sensibilidade próprias. E isso, convenhamos, é muito difícil de acontecer. Para mais, essa intelectualidade sonora é-nos oferecida da forma mais apetecível, bela e inusitada.
Talvez seja tudo isto, este Space Heavy. Mas se não for, pouco ou nada importa. Todos sabemos que é (quase) impossível entender de forma precisa aquilo que mais se insinua do que se mostra.
Mais uma ótima resenha crítica,vou procurar o álbum para ouvir na íntegra.