Longe vão os tempos que era “o baixista dos Woods”. Morby é, hoje em dia, autor de corpo inteiro, com merecido lugar de destaque no panorama do rock alternativo.
Podia ser uma história daquelas de filme lamechas americano de domingo à tarde, um jovem deixa para trás a ruralidade do Texas e vai para a cidade (neste caso Nova Iorque), tentar seguir o sonho de ser cantor (seria Los Angeles se o sonho fosse ser actor). Após muitas dificuldades, tocar em bares manhosos para ninguém ouvir enquanto trabalha em cafés, lá consegue conhecer alguém que empatiza com ele e o ajuda a ficar conhecido e famoso. Fim. Podia ser ficção, mas é muito, muito próximo da vida real de Kevin Morby, que nos traz agora o seu quarto disco em nome próprio.
Morby tem muita música tem dentro dele. Em oito anos já conta no seu registo com quatro discos com os Woods, dois com os Babies e mais quatro em nome próprio. Admito desconhecimento do seu passado com bandas, e dos dois primeiros discos, mas senti-me arrebatado por Singing Saw, para mim um dos melhores álbuns de 2016. E eis que, somente um ano depois, já Morby meteu cá fora mais uma pérola.
City Music é luminoso e inventivo, escuro e básico, um pouco de tudo isto e de tudo aquilo. Arranca em formato de pedido “Come to me Now”, como se falando diretamente com quem o está a ouvir, para lhe dar a mão e o acompanhar por este City Music fora. Tranquilo, em registo despido de guitarra, apenas voz e ambiente sonoro de fundo a envolver-nos, para que nos deixemos levar. Passa para “Crybaby” com mais ritmo, para agitar a sério em “1234”, música de homenagem a uma das grandes bandas saídas de Nova Iorque, os Ramones. O refrão “Joey, Johnny, Dee Dee, Tommy” não deixa margem para dúvidas, tal como a velocidade apunkalhada e a curta duração da música. Eis que chega então um dos momentos altos deste álbum, “Aboard My Train”, em que Morby partilha um dos grandes sentimentos da vida a passar, com pessoas que vão e pessoas que vêm, pessoas que nos acompanham em determinados momentos da vida e depois seguem por outros caminhos, enquanto outras aparecem mais tarde, do nada, e se tornam essenciais. E que a mim me faz criar ligação com o este projecto no qual este texto se insere, o Altamont, que permitiu juntar pessoas que se desconheciam, permitiu aproximar pessoas que pouco falavam, permitiu paixões e debates inflamados, permitiu a conjugação de uma energia que estava dentro de cada um que participa e que por aqui proliferou. Fred, se me estás a ouvir/ler, obrigado.
Avancemos um pouco mais para “City Music”, o pico do álbum e a música mais excitante que ouvi este ano. Quase 7 minutos em que cabe tudo, no fundo serve de resumo ao que é o álbum City Music. Tranquila a espaços, ganhando velocidade, embalando para o que merecia ter uma Aula Magna inteirinha em apoteose a dançar, com uma cadência abrasadora e um dedilhar de guitarra a intensificar ainda mais a cena. Para terminar novamente onde começou, calma, calminha, a desvanecer.
Temos ainda uma bem animada “Tin Can”, uma cover de “Caught In My Eye” dos Germs, onde Meg Baird aparece a dar um toque resplandecente e que, segundo o próprio Morby deixou todos emocionados no estúdio aquando da sua gravação. Realço aqui que entretanto, e após a aventura em Nova Iorque (Brooklyn, para ser mais preciso, Kevin já se mudou para Los Angeles, não para ser actor, mas para continuar aquilo que está a fazer (e bem). E foi num estúdio com vista para uma praia californiana que o disco foi feito, longe da cidade que serve de grande referência ao álbum, talvez por isso transmitindo-lhe uma aura mais distante e saudosa. Junto com a guitarrista Meg Duffy e baterista Justin Sullivan (que também era membro dos Babies), Morby criou aqui um disco irrepreensível, uma atmosfera obscura e lânguida que nos acompanhará o resto do ano (quiçá anos), não sendo com certeza esquecido na altura de fazer as nossas tradicionais listas.