«Não tínhamos nenhum plano prévio para o que queríamos fazer», dizem os próprios, e, no final do dia, com o álbum na mão, atrevo-me a dizer que ainda bem que não tinham. Poderia chamar-lhe espontaneidade ou cumplicidade, mas não os conheço; o que sei, ou melhor, o que oiço é um trabalho final, coeso e sobretudo intenso.
É necessário destacar que nenhum destes rapazes tem dentes de leite dentro do mundo da música. Sem pretensiosismos, porque é um antagonismo para a própria banda, vê-se também na naturalidade e fluidez deste primeiro trabalho que Afonso, Rai, Braulio e Carlos BB já estão por dentro do assunto há uns bons anos. Todos já fizeram parte de diferentes bandas, e quase todos continuam com projectos musicais paralelos (Sean Riley & The Slowriders no caso de Afonso, Rai em The Poppers, Braulio e BB em Riding Pânico e Pernas de Alicate, respectivamente). A música e as bandas não são uma coisa nova, a novidade está nesta união onde «o plano era não ter plano nenhum», permitindo que os quatro pudessem dar o melhor que sabiam em Keep Razors Sharp.
Meteram a calma e a intensidade a trabalhar lado a lado, lançando um trabalho final com 11 faixas. São destaque, por exemplo, «The Lioness», que abre as portas para este álbum com um rock mais psicadélico, mais shoegaze, ao dar-nos, em primeira mão, a linha que a banda pretende seguir e que não é quebrada ao longo do álbum. O mesmo repete-se para a já conhecida «I See Your Face», primeiro single da banda, lançado no início deste ano. A letra romântica (um romântico paralelo aos clichês pirosos e letras lamechas), é bem embalada pelos arranjos musicais. O mesmo acontece com «By the Sea», porém mais indie, mais lenta, com notas de guitarra mais arrastadas e intensas, tal como o refrão diz «Baby, I’m tired of walking alone…», pedindo essa mesma serenidade nas notas.
Alternam, dentro da mesma linhagem, entre o que é mais indie e o que é mais rock, com guitarradas de notas mais pronunciadas ou mais discretas, mantendo sempre os vocals num tom monocórdico. Se a mudança de tom, em algumas faixas, poderia fazer sentido, acaba por ser compensada pelos solos que interrompem os períodos cantados num timing perfeito: exemplo disso são «Cold Feet», «Africa on Ice» ou «Scars & Bones», deixando, contrariamente, «Sure Thing» agarrar pelo uso mais acentuado da voz.
O álbum de estreia homónimo da banda está lançado e o objectivo foi cumprido. Se uma vez explicaram que o superpoder do grupo era o dom da invisibilidade, o mesmo não se passa com a música que fazem que: não é de todo invisível, não passa de maneira nenhuma despercebida. A banda exclui adjectivos altivos ou nobres ao falar de si mesma, mas o álbum é rico. Essa riqueza encontra-se, essencialmente, nos solos de guitarra intensos, na bateria forte e na voz arrastada muito rock ‘n’ roll e com timbre psicadélico, mostrando que a qualidade de música que fazem é espelho da própria simplicidade da banda.
Por não acreditar em pós-determinismos é que valorizo as belas surpresas que o acaso nos pode trazer, e Keep Razors Sharp é uma delas, a junção de quatro rapazes que geraram um fruto maduro de post-rock made in Portugal.