Uma das mais bem sucedidas bandas do indie-rock britânico da actualidade regressa com os argumentos de sempre, num disco que oscila entre uma energia contagiante e as soluções mais óbvias.
Em 2017, os Kasabian são uma das forças vivas mais poderosas do pop-rock britânico. Sim, os Suede ainda aí estão para as curvas mas só os fiéis querem saber; os Blur fizeram um belíssimo disco de regresso mas hibernaram novamente; Doherty continua em parte incerta e imprevisível; e garotos promissores como os Hooton Tennis Club e os Sundara Karma ainda têm de palmilhar muita estrada para serem efectivamente demolidores. Sobram os incontornáveis e excelentes Arctic Monkeys, mas mesmo estes vivem quase como uma banda de suporte do irrequieto e talentoso Alex Turner, no meio de todos os seus projectos paralelos.
Falamos disto porque os Kasabian, banda de Leicester que teve como todos os seus conterrâneos um 2016 de sonho (com a inédita e surpreendente conquista da Premier League), são um dos poucos elos restantes com o fenómeno brit-pop. Sobretudo em relação aos Oasis, não por necessárias afinidades sonoras mas porque partilham com estes um substrato de público que, anos depois, é basicamente o mesmo. É o lad-rock no seu melhor: malhas descomplexadas para mandar abaixo umas valentes canecas antes de seguir para o estádio ver a nossa equipa preferida.
Apesar do seu primitivismo lírico, no entanto, os Oasis conseguiram ser a maior banda do mundo, e fazer o crossover mais ansiado: músicas entoadas pelos jovens hooligans, pelos jovens profissionais mas também pelas namoradas de ambos.
Os Kasabian partilham com os Oasis o trilho do indie-rock hedonista, de traços razoavelmente clássicos e sem grande rasgo em termos de letras, de mensagem ou sequer de inovação. Mas, como acontece em tudo o que mais importa, e sobretudo no lato mundo da pop, a coisa resume-se a uma simplicidade cristalina: as canções. E, tal como os Oasis quando estavam no topo do mundo, também os Kasabian são uma máquina de fabricar boas malhas movidas a guitarra.
Quando falamos do seu poder, falamos de factos: em cinco álbuns, os quatro últimos chegaram a número 1 no competitivo mercado britânico; e a ligação à bola e a milhares de jovens em todo o mundo tornou-se literal quando musicaram vários jogos de consola dedicados ao desporto-rei e, inclusivamente, cederam o seu “Fire” para tema oficial da própria Premier League.
Daí que, em Inglaterra, um disco novo de Kasabian seja uma coisa importante, ansiada e dissecada. E a discussão está aí, como sempre acontece com estes rapazes: são muito bons ou uma fraude? Bom, são bastante bons num certo campeonato, mas provavelmente nunca darão o verdadeiro salto.
O mesmo se confirma com este For Crying Out Loud, que começa, na sua terrível capa, por salientar o lado clown da banda. “III Ray (The King)”, que abre o disco, por exemplo, traz-nos os Kasabian enérgicos, cheios, confiantes, que nos fazem querer saltar e se calhar dar umas estaladas no pub. Mas logo a seguir levamos com “You’re in love with a psycho”, single que arranca com aquele bom ritmo habitual com ecos dos T-Rex mas que desemboca num refrão básico e até boçal, que Robbie Williams não desprezaria.
“Good Fight” resolve bem o problema, porque parece não ter refrão e não faz falta nenhuma, numa música descontraída que tresanda ao bom e velho brit-pop com as coordenadas dos Supergrass. Já “Wasted” é um cliché, até com os coros a meio, resvalando para aquele terreno pantanoso no qual os Kaiser Chiefs se afundaram no último disco.
A banda sai ligeiramente do caminho seguro em “Are you looking for action”, nos seus oito minutos de um funk com cheirinho a Jamiroquai e um sintetizador marado que, com o seu tom vagamente assustador, acaba por quase salvar um tema ao qual nem faltam as palminhas electrónicas. “All through the night” traz a costumeira balada, que até está bem conseguida, num raro momento de contenção numa banda que parece querer fazer tudo maior e mais cheio.
“God bless this acid house” são, de novo, os Kasabian de estádio, onde se sentem melhor, antes de o disco fechar com o quase ‘singalong’ inconsequente de “Put your life on it”.
For Crying Out Loud é um disco que grita Kasabian por todos os poros, sendo absolutamente eloquente na revelação das forças e das fraquezas da banda. Com West Ryder Pauper Lunatic Asylum, de 2009, estes rapazes fizeram o seu Morning Glory, tal a densidade de malhas por cm quadrado. Em 2017, a inspiração é menor, a fórmula mais previsível, as rotinas mais comerciais. Um disco que, provavelmente, trará de novo sucesso e vendas e que, não deixando de nos ir deixando aqui e ali de sorriso parvo na cara, não deixa de revelar as limitações dos Kasabian em ganhar densidade.