Chegaram na primavera para espalhar o pólen pop-rock de Pollinator. Os Blondie estão vivos, muito vivos, capazes de mostrar ao mundo aquilo que foram durante muitos anos: uma esplendorosa máquina de fazer álbuns e canções memoráveis!
Devemos aos Blondie tanta coisa, que muitas das vezes nem nos lembramos de ter para com eles a devida gratidão. Aos Blondie, mas também aos The B-52’s, aos Talking Heads, a Elvis Costello, aos The Shirts e tantos e tantos outros. Para além das inúmeras grandes canções que nos deixaram, há sobretudo um aspeto que se sobrepõe a todos os outros: os Blondie ensinaram o punk a ser melodicamente pop, e isso foi um ganho inestimável. Nessa linha, a banda de Debbie Harry e Chris Stein foi verdadeiramente imperadora! Mais do que quaisquer outras bandas. E assim, dando continuidade a uma segunda vida iniciada em 1999 com No Exit, os Blondie estão de regresso e em altíssima forma. Pollinator chegou para nos polinizar a todos com canções virais que ganharam, no imediato, o estatuto de clássicos. São várias, como provavelmente já saberá.
Tinha alguns receios que felizmente se mostraram infundados, confesso. Que este Pollinator fosse um novo Ghosts of Download, por exemplo, álbum tão desgarrado do universo histórico da banda norte americana. Temia que o caminho seguido fosse o do electro-reggaeton colombiano em horário de matiné que marcou o disco de 2014. Felizmente, as minhas preces foram ouvidas e os Blondie voltaram ao pop-rock de guitarras, de keyboards sem receios dançantes, de batidas estremecedoras e suculentas. Voltaram as grandes canções e os sorrisos estampados no rosto de quem se apaixonou por esta banda desde a mais tenra idade, que foi o meu caso. Não é possível deixar de adorar temas como “Long Time” (com aquele início a colar-se ao histórico “Heart of Glass”), “Fun” (o apelo à dança, ao disco), “Doom or Destiny” (com a fúria das batidas de Clem Burke e a voz de Joan Jett, amiga de longa data) ou “My Monster”, oferecida à banda por Johnny Marr e que transporta em si vários dos deliciosos tiques composicionais que reconhecemos aos Blondie: energia, melodia, festa! Estes são apenas os exemplos mais orelhudos, digamos assim, pois outros existem que se escondem um pouco, mas que vão surgindo à medida que ouvimos mais uma ou outra vez este Pollinator.
Os Blondie continuam a fazer sentido, apesar dos fundadores (Debbie Harry, Chris Stein, Clem Burke) terem já idades que poderiam indiciar o contrário. Mas esqueçam a contagem dos anos, tantas vezes enganadora. A voz de Debbie está perfeita, como sempre, e as canções apresentam uma inesperada e inebriante frescura, mesmo sabendo que boa parte delas são pertença de músicos que foram convidados para o efeito. Mas o efeito Blondie está lá em quase todas. A marca distinta que os tornou, no século passado, uma das melhores bandas do seu tempo, permanece intacta, brilhando intensamente e ao mais alto nível! “Love Level” (da dupla Stein / Harry) poderá ser outro bom exemplo do tom festivo de outros tempos. E há, como se percebe, novos hinos, sendo que o que mais me toca, o que mais me arrepia é o já referido “Long Time”, espécie de declaração de amor à bowery nova-iorquina dos tempos do nascimento da banda e dos míticos CBGB e Taxi Driver, sala de concertos e filme lendários.
Em “Fragments”, faixa que encerra o álbum (na verdade há ainda uma hidden track intitulada “Tonight”), Debbie Harry canta um refrão em que pergunta repetidamente “Do you love me now?” Será casual, ou propositada essa necessidade de esclarecimento? Eu, confesso admirador obsessivo da banda, só poderei responder muito afirmativamente à questão colocada, sobretudo pelo boa forma e pelo bom regresso dos meus adorados Blondie! Por tudo isto, 2017 está ganho e ainda nem chegou a meio. Para mim, que aqui já escrevi sobre todos os onze discos originais dos Blondie, agrada-me dizê-lo em voz muito alta que este Pollinator é um digno sucessor de Parallel Lines ou de Eat To The Beat. E digo-o sem (grande) ponta de exagero. Mais ainda: é já, na minha opinião – e acredito que também na de outros que o ouçam sem preconceitos – um dos discos pop-rock do ano.