Abençoado casamento entre dois músicos incontornáveis do século XXI. A sensualidade rock de Karen O junta-se às orquestrações elegantes de Danger Mouse num disco que é banda sonora de um qualquer filme sobre viagens ao Espaço, atmosférico e contemplativo mas com traços pop altamente viciantes.
Karen Orzolek, americana de origem coreana, que ouvimos cantar desde o ano 2000 nos fundamentais Yeah Yeah Yeahs. Desde que a banda abrandou, por volta de 2011, Karen foi fazendo outras coisas – bandas sonoras, parcerias, quase ganhou um Óscar, lançou um disco a solo.
Brian Burton, que foi buscar nome artístico a um desenho animado, é um dos produtores mais reputados da actualidade, já formou bandas como Gnarls Barkley ou Broken Bells, gravou discos em colaborações diversas e, enquanto produtor, já tratou de álbuns de gente como os Black Keys, Michael Kiwanuka, Beck, Parquet Courts, The Good The Bad & The Queen, Norah Jones ou Adele.
Embora se conheçam há vários anos, só recentemente é que estas duas almas decidiram juntar-se para fazer algo juntos. E este álbum é isso, não é um disco de Karen O produzido por Danger Mouse; não é um disco de Danger Mouse cantado por Karen O – é um disco concebido de raíz por ambos.
É um disco que – não sendo inédito nem particularmente inovador, principalmente para quem já conhece o universo de Danger Mouse – soa incrivelmente bem, com a voz e presença de Karen O a dar novo sentido às criações de Brian Burton, com a sua paixão assumida pela soul dos anos 60 e pelo imaginário d’O Bom, o Mau e o Vilão, com a grandiosidade que Ennio Morricone confere ao velho oeste.
Como o nome indica, este disco é um jogo de luz e escuridão. “Lux Prima”, canção que abre o disco, significa primeira luz. A música que fecha, “Nox Lumina”, é luz da noite. E as canções que estão no meio, com mais ou menos contraste, dão corpo à banda sonora de um filme qualquer sobre passeios no Cosmos. São a música que um astronauta deve ouvir quando está na sua estação espacial, rodeado de escuridão por todos os lados a contemplar a Terra – um ponto luminoso, distante, razoavelmente azul.
A abertura do disco é feita com uma música de 9 minutos que nos avisa que estamos prestes a embarcar num foguetão, ao mesmo tempo que nos lembramos da música que abre o disco de Michael Kiwanuka – produzido por Danger Mouse. A canção seguinte, “Ministry”, é já em alto espaço, em movimentos lentos e deliciados com a ausência de gravidade. Segue-se “Turn the Light”, um funk-disco lânguido de refrão eficaz que ficamos a cantar durante várias horas. “Woman” é um manifesto de Karen O, ancorado numa soul-pop das girl group dos anos 60, com uma entrada de bateria que ouvida agora, poucos dias depois da morte de Hal Blaine, soa a homenagem pré-póstuma ao lendário baterista da era Phil Spector. Três canções depois vem “Leopard’s Tongue”, música irmã de “Woman”, igualmente fácil de trautear.
Em “Redeemer”, Danger Mouse aproxima essa soul pop dos cenários western spaghetti que criou em Rome (disco em parceria com o compositor italiano Danielle Luppi). Com “Drown” voltamos à languidez, o baixo assertivo, a voz meio difusa que pede «please, let me drown». A penúltima canção é “Reveries”, que podia bem ter entrado no disco de Karen O a solo – uma canção de embalar, primeiro só com guitarra desolada, depois acompanhada por uma secção de cordas tristes. É canção que anuncia que já é noite e o fim está perto. E, de facto, só falta “Nox Lumina”, que nos remete para a madrugada, canção de despedida que a certa altura retoma a melodia da canção de abertura, mas agora em ritmo mais lento.
E é aqui que o disco deve ser ouvido novamente, sem interrupção. Com uma narrativa sonora, mais do que lírica, esta é uma obra circular, intensa, dramática, contemplativa, mas sempre sob o signo do formato canção. Um disco cheio de espaço – entre as notas cabem mil respirações – e cheio de Espaço – pode ser visto como um dia completo, que começa e acaba na madrugada, mas pode ser igualmente uma volta completa ao sol, ora mais quente ora mais frio, com escuridões que se vão revelando luminosidades.