Uma colher de violência do metal. Uma pitada de denúncia do rap. Quanto baste de groove do funk. Misture. A raiva contra a máquina está pronta a servir.
O grunge nada tinha de político. Cobain e companhia estavam tão absorvidos a lutar contra os seus demónios interiores que mal reparavam que havia um mundo lá fora. Mas o introspectivo grunge acabou por beneficiar também os hiper-politizados Rage: graças ao sucesso de Nevermind, a indústria musical passou a estar receptiva a projectos menos delicodoces. O que pede logo uma pergunta: como é que um colectivo tão radicalmente anti-sistema aceitou ficar sob a alçada de uma major? Os Rage estavam bem conscientes da contradição mas entre levar a mensagem a mil gatos pingados já convertidos e levá-la a um milhão por converter, cremos que tomaram a decisão acertada. “Beija o carrasco mas muda o mundo.”
Antes dos Rage, outra banda americana levou a música de protesto às massas: os Public Enemy. Mas no início dos anos 90, o colectivo de Chuck D começa a perder apelo e inspiração. Timing perfeito para a passagem do testemunho. A influência dos Public Enemy sobre os Rage é, aliás, notória: na virulência da mensagem, na agressividade do rap de Zack de la Rocha, e até nos sons de sirenes e vidros quebrados, que o génio de Morello consegue recriar com a sua guitarra, sabe Deus como.
Os próprios Public Enemy enxertaram pontualmente o rock e o hip-hop, mas no virar da década os Rage elevam esse casamento para um novo patamar. São os anos de ouro do género, antes de tudo degenerar no mau gosto do nu-metal. A acumulação de tensão em níveis tântricos até uma bomba atómica explodir no refrão é a sua imagem de marca.
Falámos do metal e do hip-hop, mas falta-nos um terceiro elemento sem o qual este disco não teria metade da piada: o seu groove tremendo. E nesse capítulo, temos de tirar o chapéu à secção rítmica, incrivelmente funky. Às vezes, temos mesmo que dar um murro na mesa e gritar “fuck you, I won’t do what you tell me”, mas é sempre uma maçada fazê-lo, um espinho cravado no pé. Quando, porém, se dá um balanço groovy à coisa, como só os Rage o sabem fazer, tudo fica mais fácil: desobedecemos violentamente com leveza e prazer.
E, de repente, uma epifania: partir montras de bancos parece uma ideia divertida.