Peggy Suicide poderia ter sido o álbum de uma geração. É tão diversificado nos estilos e tão centrado em temáticas que a todos dizem respeito, que deveria mesmo ter sido um disco importante. Ou melhor, ainda mais importante do que foi, e ainda mais representativo de uma geração britânica que viveu o peso de algumas das políticas opressivas do tatcherismo da década de 80. Curiosamente, e de forma quase premonitória, Peggy Suicide estava a ser gravado quando Tatcher se demitiu. Mais do que um álbum político, no sentido restrito do termo, o disco que Julian Cope fez sair em abril de 1991 tem outras preocupações, e essas, bem mais do que as que apenas diziam respeito aos súbditos de Sua Majestade, interessam a todos, a todo o mundo pensante que vê, ano após ano, a Terra debater-se com problemas graves e potencialmente fatais. Peggy Suicide é, para além de título da obra, personagem metaforizada, mãe terra sofredora, mal tratada, dando mostras de fragilidades, que desde essa data até aos dias de hoje não pararam de se agravar. É, portanto, um disco preocupado com o planeta, mas a mensagem que transmite está tão poeticamente camuflada, que dificilmente o disco deverá ser entendido como descaradamente concetual. Não cede a esse facilitismo, nem mostra ponta de pieguice. É um statement de coragem, audácia sonora, um torrencial volume de estilo e rock n’ roll.
Com os acordes iniciais de “Pristeen”, a canção que abre o disco, começamos a perceber tratar-se de um grande tema. O seu crescendo rítmico é notavelmente feito, e a fúria também crescente com que se dizem as palavras, deixa-nos preparados para o que aí vem. “Double Vegetation” e a magnífica “East Easy Rider” confirmam as expectativas. Seguem-se “Promised Land” e a rockeira “Hanging Out And Hung Up On The Line”, sucesso que até hoje é obrigatório em muitos dos concertos do eterno archdrude. Percebe-se ainda, e vamos apenas no quinto de dezoito temas, que Peggy Suicide é um turning-point na carreira de Cope. A phase 2 do disco inicía-se com uma das mais belas canções que alguma vez ouvi em toda a minha vida. Trata-se de “Safesurfer”, tema épico e cuja letra meditativa nos leva à SIDA e às suas consequências. É um clássico da discografia de Julian Cope, e os seus mais de oito minutos parecem voar por dentro da nossa cabeça. O também épico solo de guitarra de Michael Moon-Eye (que é, na verdade, Mike Mooney dos Spiritualized e dos Lupine Howl) está ao nível dos melhores solos da música rock alguma vez feitos. “If You Loved Me At All” é uma excelente pop song para uma qualquer rádio mais alternativa. Mas há muito mais para ouvir. Peggy Suicide é, aliás, um disco sem canções fracas. Até ao final do álbum, projetado em quatro fases, ainda podemos deliciar-nos com “Drive She Said”, “Head”, “Leperskin”, “Not Raving But Drowning” (referência ao muito conhecido poema de Stevie Smith, “Not Waving But Drowning”, de finais dos anos cinquenta), e “Beautiful Love” (um dos quatro ou cinco singles extraídos do álbum, e talvez o mais conhecido de todos), por exemplo. Uma última referência à derradeira canção de Peggy Suicide. Chama-se “Las Vegas Basement”, e cantá-la, ao ouví-la, é algo que nunca consigo deixar de fazer. Os versos são magníficos, e por isso não resisto a deixar aqui os iniciais: “Easy, when life’s a bitter pill you swallow down / with your last breath / And find me alone / and trapped amidst superlatives and greed / Shine underneath / I was thrown out of the crib into the snow / I was born to entertain, so here I go”.
Peggy Suicide é o primeiro disco de uma trilogia. Nos anos seguintes, Julian Cope deu à luz Jehovahkill (que muitos consideram um disco ainda mais superlativo que Peggy Suicide), finalizando a sua audaciosa aventura sobre a Mãe Terra com Autogeddon, disco que eu idolatro, mas que nem toda a crítica conseguiu gostar e perceber. Ouvir os três discos é, ainda hoje, um prazer a que me dou vezes sem conta. Por isso deixo-lhe aqui este apelo: se leu este texto até ao fim, por que não ouvir Peggy Suicide, fazendo justiça à obra prima que na realidade é?