São pouco mais de trinta e sete minutos de espaço e de tempo. Deu-se ao mundo com nome de refrigerante, mas os seus componentes são de outra ordem, menos gustativa e mais mental. E assim, a droga virou música com Ash Ra Tempel e Timothy Leary.
Seven Up faz cinquenta anos em 2023. É um álbum olhado com certa desconfiança no meio de alguns amantes do chamado krautrock. Por outros, como Julian Cope no seu Krautrocksampler (um clássico roteiro dos cinquenta melhores álbuns do género), é uma obra digna do seguinte comentário: “The result is an extreme gem, a flash of hysterical white lightning, and a pre-punk Technicolour yawn in the grandest of tradition.” Nada a acrescentar, embora nos pareça curto. Seven Up é igualmente um disco onde o blues tem lugar importante, embora varrido por aragens vindas das delirantes e assombradas cabeças de Manuel Göttsching, Hartmut Enke, Michael Duwe (o trio Ash Ra Tempel da altura) e Timothy Leary, pois claro, um convidado bem especial. No lado A do vinil, um único tema, “Space”. No outro lado, “Time”. Duas fatias de música de difícil classificação, é certo, mas que nos guiam por caminhos que nem sequer imaginaríamos que pudessem existir. Não podemos garantir que Seven Up se ouça com agrado do princípio ao fim. Por vezes, o disco não é amigo de ouvidos menos preparados, mas se entrarem nele precavidos, se lhe derem a hipótese que julgamos merecer, pode bem acontecer que fiquem fregueses e retomem a conversa entre quem ouve (nós, pois claro) e quem em 1973 se deu a ouvir, voltando a pousar de novo a agulha no início da viagem. A recente edição comemorativa do seu meio século de existência vale bem a pena. Capa lindíssima, formato gatefold, e ainda o folheto “Instruction Manual for Pleasure Panel”, ensaio feito pelo conhecido doutor LSD.
O álbum abre com “Space”, 16.03 minutos que se apresentam repartidos em quatro fatias sonoras distintas, que oscilam entre o blues de “Downtown”, o psicadelismo de “Power Drive” e as ambiências alucinadas, frenéticas e roqueiras de “Right Hand Lover” e “Velvet Genes”, onde alguns gritos, gemidos e canto lhes dão corpo e substância. É sobretudo nestes dois últimos momentos que percebemos o estado mental deste grupo de artistas, habitantes de um espaço sonoro mais ou menos fantasmagórico, onde a linguagem utilizada faria, seguramente, todo o sentido para quem estivesse munido das substâncias alucinogénias que Timothy Leary ia juntando aos litros de Seven Up (o refrigerante) que os músicos iam bebendo durante a gravação. A curiosa equação é fácil de enunciar: Seven Up + LSD + qualquer outra droga que existisse + música (guitarras, electrónica, baixo, bateria e vozes) e o álbum fez-se destes ingredientes.
No lado B da rodela, o ambiente sonoro é bem distinto do inicial. Aqui, ao contrário da energia de “Space”, temos o declínio, a descida em espiral, a trip demorada que se espreguiça durante a passagem do tempo. Assim é “Time”, que dura 21.15 minutos. Belo mas distante, quase inalcançável, momento perdido em vagas de som que passam e entram em nós por algumas frestas de entendimento e perceção. “Timeship”, “Neuron” e “She” são a sequência tripartida de “Time”, sendo que “She” recupera a segunda metade do álbum anterior dos Ash Ra Tempel (Schwingungen), embora não lhe copie os contornos exatos. Tudo em “Time” é onírico e belo. Tudo o que em Seven Up borbulha é génio e loucura, por isso, mesmo passados mais de cinquenta anos da sua gravação, sabe tão bem ouvir o que ainda tem para nos oferecer. Não sejam ingratos com este álbum. Ele poderá muito bem matar-vos a sede que talvez nem sequer saibam que existe dentro de cada um de vós.