José James não é propriamente um novato nas andanças da música. O seu primeiro disco saiu há já seis anos, em 2008, mas a sua afirmação deu-se com No Beginning No End, disco de 2013 que inaugurou a sua relação com a Blue Note Records, essa mítica editora existente há mais de 60 anos e que na sua história contou com figuras do jazz como Art Blakey, Donald Byrd, Miles Davis e Thelonious Monk (para além de ter editado essa pérola chamada Blue Train, do incrível saxofonista John Coltrane).
Disse José James em 2013 que não queria mais ser considerado um cantor jazz e que isso era, para si, libertador. Este abandono do puritanismo pode parecer paradoxal se tivermos em conta que coincide com o início da sua ligação a uma das maiores (se não a maior) editora jazz da História. Porém, uma leitura mais atenta permite observar que, entre o primeiro álbum de José James pela Blue Note Records (2013) e este, já saíram da editora discos de gente como Rosanne Cash (filha de John Cash), Robert Glasper e Elvis Costello (em parceria com os The Roots) – pelo que o puritanismo jazz fica, desde logo, colocado de parte.
Esse No Beggining No End era já o primeiro rompimento de fronteiras – um misto de jazz e soul moderno, com texturas que ligavam uma inspiração clássica a uma criatividade e uma visão marcadamente contemporânea. Este While You Were Sleeping, acabado de lançar, vai ainda mais longe na ambição de contaminar o soul com outros géneros. A inaugural Angel é lasciva e soa a um encontro imaginário entre D’Angelo e Frank Ocean, com os primeiros versos (Feeling so fine/just wanna taste you/sure you don’t mind) a mostrarem logo ao que José James vem. Every Little Thing é o single: tem coolness e faz uma ponte inesperada entre o rock e o hip-hop futurista. Também a longa While you were sleeping tem solos de guitarra e seria megalómana se não fosse intrigante. Mas há também Dragon, uma espécie de balada com direito a dueto entre James e Becca Stevens sobre um instrumental nebuloso e a curtíssima Salaam (que soa a breve homenagem a J Dilla dento de um território futurista).
Aproximações aos anteriores registos encontramos, por exemplo, em U R the 1 – produção digital sobre uma voz que noutros tempos cantaria soul e noutros ainda mais remotos cantaria jazz – e Simply Beautiful, onde encontramos uma aproximação ao registo jazzístico com a participação do trompetista Takuya Kuroda, também ele um músico da Blue Note Records, que lançou este ano um disco produzido pelo próprio J. James.
Em suma, as grandes novidades de While You Were Sleeping são a introdução de riffs de guitarra e uma maior lascividade a contaminar o soul outrora semi-clássico, fazendo também a ponte com o R&B contemporâneo. É difícil caracterizar este disco, bem mais do que o anterior. E, se por um lado se salienta a ambição de fazer diferente, é talvez ainda cedo para perceber se a mudança foi uma evolução pertinente ou uma alteração de rumo prematura e insuficientemente trabalhada. No meio da mudança, ter-se-á perdido alguma coerência conceptual e ganho um disco que oscila entre momentos introspectivos, momentos lascivos e momentos auto-afirmativos. Se terá sido um passo em falso é difícil afirmar. Mas mesmo sem o (excelente) registo antigo o seu concerto no EDP Cool Jazz, a 7 de Julho, em Oeiras, valeria sempre a pena. Pode não chegar ao nível atingido no seu último concerto em Portugal (em Maio do ano passado, no LUX Frágil, onde a sintonia com o numeroso público foi total) mas a relevância da sua música na Indústria permanece presente.