A voz que nos chega em Vida é a de um velho amigo que regressa para nos trazer alegria e felicidade. É o Jorge Palma que se encosta a nós mais uma vez, e mais uma vez fá-lo muito bem.
Para Jorge Palma, tudo! Pelo que já nos deu, pelo que ainda nos dá, pelo que representa na música portuguesa, por ser o tipo mais rock n’ roll dos tipos algo à margem do rock n’ roll português. Mas há mais: por nos ter dado imensos temas imorredouros, por se ter reinventado quando parecia desaparecido para sempre, por ter um carisma enorme e, sobretudo, por há muito fazer parte do imaginário do nosso contentamento musical. É único, e por isso terá sempre a nossa estima total.
Vem tudo isto a propósito do seu mais novo álbum. Chama-se Vida, como todos já saberão, e é mais um belo disco, tendo em conta os muitos que já nos legou. Já rendeu bons momentos ao vivo (recorde-se a sua atuação recente no NOS Alive deste ano, onde deu um dos melhores – ou mesmo o melhor – dos muitos concertos que vimos), e não admira, uma vez que há um ótimo punhado de temas neste álbum.
A melancolia sofrida do tema inicial (que dá título ao disco, aliás) pode induzir-nos em erro. Aquelas cordas pesadas e bonitas não dão obrigatoriamente o tom às nove seguintes. Nada disso. Há de tudo um pouco. Dolência, mas também garra e atitude nas bluesianas “Uma Estação no Inferno” e “Estróina”. “Plantas na Lua” é rock atrevido e conta com as vozes amigas e cúmplices de Manuela Azevedo e Rui Reininho. No entanto, é nas baladas que o disco se funda. Bonitas, todas elas, ao jeito de quem já nos deu tantas baladas boas e clássicas. O piano de Palma não engana, marcando o ritmo ao longo de todo o disco. Vida é, na verdade, a cara do Jorge. É a cara de um músico que mesmo já nos tendo dado tudo, ainda aí anda de cabeça erguida, não se vergando à sedutora hipótese de viver do seu anterior catálogo. Como o próprio canta em “Espécie de Altar”, “O futuro vem lá / Sinuoso e matreiro / E o que deixa antever / Não é convidativo”, por isso há que marcar lugar no presente, dizer ao que se vem e mostrar que as vidas vivem-se também agora, e não se deixam tolher pelo negrume que os tempos futuros anunciam. “Vejo o princípio e o fim abraçados / Numa espécie de altar”, canta Jorge Palma. Muitos se esquecem que quando se canta, há que ter em conta o poder e a beleza da palavra trabalhada poeticamente. Só assim a poesia poderá sair à rua, de preferência cantada por muitos.
Uma das melhores composições de Vida é, na nossa opinião “Porque Tu Não Estás”, mesmo que possa não entrar à primeira. Mas vai ficando, e a Gioconda passa a ter rosto, o nosso, cada vez mais enternecido quando a canção começa a expandir-se cá por dentro, ganhando dimensões inusitadas. Que lindíssimo tema, caramba! “Três Palmas na Mão” conta com Jorge e os seus dois filhos, Vicente e Francisco. O que dela resulta é um pequeno hino de afeto familiar. Comovedor e belo, pois então.
Depois de “Noites de Rosas e Vinho”, também bonita e com belo e sóbrio solo de guitarra quase no final do tema, outro momento de exceção, o derradeiro “Canção de Vida (para o Carlos do Carmo)”. Aí, é de novo o piano a marcar terreno. Letra e música mereciam estatuto de clássico. Veremos se assim acontecerá. Há que acreditar em milagres.
Vida é um disco de grande beleza e qualidade. E podemos dizer, por brincadeira, que merecia uma melhor capa. No entanto, quando o colocamos a tocar, o esquecimento dessa imagem é imediato, e o que fica é mais uma vez a declaração de um dos nossos poucos génios na arte de criar instantes, instantes a que chamamos canções. Canções que, como bem sabemos há muito, são para todas as nossas vidas.