Profecia, boa-nova e activismo, tudo embrulhado na mais fina canção. Com a sua melhor barba e cabelo comprido, Jim James é o nosso Messias. Eternally Even é um álbum quase perfeito.
Conhecemos Jim James como um Monster of Folk, como vocalista dos My Morning Jacket, também já o vimos como produtor, nomeadamente no último disco de Ray LaMontagne. Enquanto artista a solo, começou por editar um EP com versões de temas escritos por George Harrison. Álbuns, propriamente ditos, tem dois: Regions of Light and Sound of God e o objecto da nossa análise, Eternally Even, editado no final do ano passado.
O disco, aliás, foi lançado quatro dias antes das presidenciais norte-americanas, e foi composto durante o período eleitoral. Enquanto Jim James escrevia o disco, havia o real perigo de um tipo como Donald Trump se tornar presidente dos Estados Unidos. Quando o disco ficou pronto ainda não se sabia, mas no momento em que este texto é escrito, Trump já tomou posse e já deu provas de fazer jus a todos os receios.
Embora esse nome não aparece nenhuma vez citado nas letras das canções, o medo de ter um presidente como Trump influenciou largamente o tom do disco de Jim James. O álbum é descrito como o mais político dele, mas James não quis limitar uma obra de arte ao espaço e ao tempo, nem tão pouco fala só de politiquices, também reflecte com preocupação sobre a sociedade de hoje em que passamos os dias inteiros com os cornos enfiados nos telemóveis, aborda ainda questões de religião, o bem e o mal e, claro, a maior força motriz disto tudo, o amor, amor supremo. Para nos falar disso, Jim James usa todos os seus melhores recursos – uma escrita audaz e certeira, as mais belas melodias e uma produção exímia – para que não restem dúvidas de que James se quer fazer ouvir. No álbum anterior, de 2013, o músico já se mostrava um iluminado, mas o álbum acabava por ser um pouco mais homogéneo e dava ar de ser mais metido consigo mesmo.
Em Eternally Even, o músico quer mesmo sair da casca, quer fazer-se ouvir e quer ter a certeza que o escutamos. Para isso, começa por nos prender com canções perfeitas, que vão de ambiente quase trip-hop à pop certeira, da folk erudita ao psicadelismo contido, ora com refrões na ponta da língua, ora com instrumentais prolongados.
Uma vez captada a nossa atenção, pela melodia, é altura de escutar Jim James, o profeta, o pensador, o iluminado. Felizmente foi abençoado com o dom de fazer música, senão seria o louco na esquina a avisar-nos do Apocalipse, sem que lhe prestássemos atenção. Felizmente foi abençoado com um sentido de arte apurado, erudito na criação de obras que o tempo se encarregará de confirmar como primas.
Para mostrar o virtuosismo, começa logo o disco com dois minutos de instrumental, antes de arrancar “Hide in Plain Sight”. Mais à frente, divide “We Ain’t Getting Any Younger” em duas partes, a primeira instrumental de seis minutos que nem por um segundo parecem longos demais.
Para provar como maneja bem a palavra, várias são as músicas em que quase parece fazer rap, disparando as letras com uma cadência firme, vincada, que podia ser igualmente gritada ao megafone. Neste disco, as letras estão repletas de apelos e avisos. Primeiro, naturalmente, um apelo aos seus compatriotas para irem votar, caso contrário vai-lhes cair em cima (ele avisava, com antecedência – agora sabemos quantos milhões se abstiveram, e bem que lhes caíu em cima). Em canções como «Same Old Lie» ou «Here In Spirit», James insta-nos a pensar por nós próprios, em dias tão poluídos como os de hoje, precisamos de sair da nossa zona de conforto e fazer alguma coisa, não basta ficar em casa a lamentar, há que fazer, construir algo. Se não, o que estamos a fazer na Terra?
Em todas as nove músicas do álbum, incluindo a instrumental, o que transparece é um Amor Supremo, que tudo cura. E este não é apenas o amor carnal pelo ente próximo, é o amor no sentido universal, como o definem os evangelhos. E quando chegamos ao fim do álbum, saímos bastante mais iluminados, inspirados, em paz.
Eternally Even consagra Jim James como um dos mais esclarecidos e iluminados compositores da sua geração, é um disco quase perfeito, uma canção etérea que nos aconchega a alma ao mesmo tempo que faz comichão e nos obriga a olhar para o lado e ver que não estamos sozinhos no mundo e não podemos continuar a viver como se o nosso umbigo fosse o centro do universo.