Uma noite bem passada no Bota, na companhia de dois projectos portugueses promissores, Inóspita a solo com envolventes instrumentais na guitarra eléctrica, Walter Walter em power trio com orelhudas canções indie rock.
Gostamos de ir ao Bota, nos Anjos, para ir picando o que há de emergente na música portuguesa. Foi isso o que fizemos na sexta passada, para descobrir quem é essa tal de Inóspita, e esses tais de Walter Walter, que a novidade lusa serviu-se em dose dupla.
Inóspita, sabemo-lo agora, é Inês Matos (a que toca com Chinaskee e Primeira Dama) quando compõe instrumentais evocativos para a sua guitarra eléctrica, só ela e mais ninguém. A miúda de Algés, tão franzina e tímida como original e talentosa, interpretou sobretudo temas do seu bonito disco de estreia, Porto Santo, lançado o ano passado. O intimismo da sua música – poesia sem palavras – convidou o público a repimpar-se no chão, embalado no seu lirismo. As texturas da guitarra – tocada sem palheta, com notas espessas ensopadas em reverb – são saborosas, apetece trincá-las. As formas são livres, fugindo ao espartilho do formato canção, espraiando-se para onde lhes apetece, e levando-nos na sua viagem. Dizer que é música é pouco, que é também pintura e cinema, que é também silêncio. Belo aperitivo para o prato que viria a seguir.
Os mais indolentes de nós ainda tentaram manter o modo refestelado no chão nos barreirenses Walter Walter – que ainda só têm dois singles, o álbum sairá em breve – mas levantámo-nos ao primeiro compasso, que os decibéis de um power trio não permitem tais modorras. Os que já conheciam os Humana Taranja, também da Hey, Pachuco! – a associação que durante duas décadas dinamizou o festival Barreiro Rocks -, terão reconhecido o baterista e o baixista, talvez um pouco intrigados por David Rodrigues não estar agora na guitarra eléctrica. E já que falamos da secção rítmica, elogiemos a sua coesão e groove, propulsiva e oleadíssima.
A estética é indie e despretensiosa, melódica e suja ao mesmo tempo, cantarolável mas despenteada. Além do bom gosto e do sentido pop, há uma leveza soalheira na sua música, que sabe a brisa fresca e a gelados no Verão. Só fazemos um único reparo: o vocalista-guitarrista, André Amado, toca melhor do que canta, ainda há ali uma margem de progressão muito grande. Mas as boas canções estão lá, que é o mais importante, a técnica vocal crescerá com o tempo.
Além dos dois covers dos Sunflowers, houve um momento especial, quando Chinaskee e Inês Matos foram para o palco cantar um original de Filipe Sambado, num registo deliciosamente “apunkalhado”, onde valia tudo, até André Amado e David Rodrigues trocarem de unhas na guitarra e no baixo. Um momento festivo, de comunhão entre amigos, no palco e na plateia.
Fotografias: Rui Gato