Que descansem em paz os concursos de bandas, os demos em cassetes e os gravadores de pistas. Ámen.
O mundo da música de hoje não é o mesmo que era há uns anos atrás: o advento da internet e a consequente democratização do acesso a programas de edição de som, instrumentos e canais mediáticos, por exemplo, mudou a cara suja que este universo paralelo teve durante tanto tempo. Os clubes de Manchester ou Liverpool já não são tão férteis como eram (ou então não tão explorados como costumavam ser) e nasce um novo ser, uma personagem que cada vez mais se vai tornando semi-mitológica. O produtor. Munido de um laptop, de uma cópia pirateada do Logic ou de outro qualquer programa semelhante e, às vezes, um microfone ou um teclado AKAI, esta personagem, corporizada num jovem magrinho, introspectivo e com uns pózinhos de génio, tornou-se tão parte do nosso dia-a-dia como o “douchebag que só sabe tocar a Dunas”, o alternativo do jambé ou o hipster que odeia tudo menos Post-Rock ou Techno minimal. De todos esses tenho a dizer que prefiro o produtor. Falamos de um neste artigo.
De seu nome Diogo Lima (YOUTH é o nome do projecto), este jovem que divide o seu tempo entre a sétima arte e a arte do set, tem vindo a brincar, cada vez mais a sério, com os botões, manípulos e luzinhas do seu pc. Apostando numa sonoridade eletrónica que roça o chill wave, oferece-nos um bonito gradiente sonoro, puramente inorgânico, que conta com uns laivos de tropicalismo galego. É verdade, esta mistura soa bem. Para quem precisa do name dropping para clicar no play, pode-se dizer que este rapaz roça o Nicolas Jaar (no seu tempo de Bandido) e um Chrome Sparks não tão floreado e fofinho.
EL FIN, é o nome do seu primeiro EP, lançado há pouquíssimo tempo, numa última tentativa de conseguir partilhar a música dançante que lhe sai da cabeça. Trocamos umas palavras com ele e este foi o resultado. Vamos em frente, eletrónica portuguesa!
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Altamont – Como caracterizas o projeto YOUTH?
Diogo Lima – YOUTH é uma série de temas que um açoriano com problemas de procrastinação obcecado por música tem guardados no mac e de vez em quando está tão farto de os trabalhar que os decide lançar. Arrependo-me dez minutos depois de estar no Soundcloud. Mas no fundo este projecto resulta da curiosidade em fazer música de dança cujo principal objectivo seja entrar no ouvido. Em termos pessoais acaba também por funcionar como um registo engraçado da forma como vai evoluindo o meu domínio do software, tipo relatório dos esforços para me manter mentalmente são e travar uma batalha sangrenta contra a preguiça.
De onde nasceu a vontade de explorar o mundo da música sendo o teu “mundo base” o cinema?
Não sei se associaria o gosto que tenho pelos filmes com a vontade de fazer música. A segunda sempre me foi uma mais presente pela imediatez da experiência. É mais fácil ter tempo para ouvir ou fazer coisas com a presença constante de música do que estar a ver um filme, que requer uma dose maior de esforço, dedicação e paciência. Com o tempo a música também se veio a tornar um dos meus principais meios de inspiração para o trabalho criativo em cinema, mas gosto de manter as coisas bem alinhadas em termos de prioridades na vida.
E porquê eletrónica?
Porque é grande parte daquilo que venho a ouvir há algum tempo. Não porque não goste de outros géneros ou métodos de criar música, mas a electrónica fascina-me porque proporciona uma liberdade tremenda ao criador. Funciona como uma coisa bem mais maleável e ao mesmo tempo consegue ser tão orgânica e dar-te tanto como uma malha de qualquer outra banda.
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Concordas que a ?gura do “miúdo produtor que faz música de qualidade no quarto” está a
crescer? Se sim, porque achas isso?
Acho que essa ?gura já se estabeleceu no panorama musical há algum tempo. Passo o exagero, grande parte das propostas mais aliciantes no mundo da novidade são apresentadas por gajos que possivelmente não precisam sequer de levantar o cú da cama para fazer som. É certo que um computador não faz tudo e mais alguma coisa mas é instrumento su?ciente para criar música tão coesa e interessante como as bandas desta vida. Basta perder uma meia hora no Soundcloud, no Bandcamp ou em outros meios como a Pitchfork ou o Resident Advisor.
Achas que a eletróncia, a nível de faixas etárias, é transversal ou mais virada para a … youth?
Porque achas que é assim?
DL- O tema é interessante mas dá pano para mangas. Todos os grandes rótulos tiveram essa conotação a dada altura. Diria haver essa ideia de ser mais virada para a juventude pelas suas características essenciais mas acho que estar a estabelecer essa a?rmação é cortar um pouco as pernas à de?nição que se faz do género. É certo que tem uma história mais recente em comparação com o rock, jazz ou o blues, mas além da sua in?nita presença em grande parte daquilo que se faz hoje já nem é difícil ver um quarentão/cinquentão a curtir Kraftwerk, Pet Shop Boys ou uns Modern Talking. E até mesmo os nomes que acabei de mencionar tornam a coisa algo restritiva. No fundo é algo muito subjectivo, acho que não há idade para se gostar de qualquer tipo de música em especí?co. Tirando de nu-metal.
Passaste algum tempo no norte de Espanha a estudar, período que coincide com a altura em
que mais produziste (certo?). Como sentes que essa mudança in?uenciou a tua música?
DL – A mudança para a Galiza trouxe-me a motivação de viver num novo sítio, de ver, viver, sentir e ouvir as coisas com outra perspetiva. A princípio deu-me só aquela pica de querer voltar a abrir o Logic e trabalhar em coisas novas. Algumas das músicas foram crescendo. Depois fui conhecendo pessoal com gostos musicais diferentes, tive a possibilidade de ir sentindo a cena daqui e misturando a coisa com certas vivências de cá fui procurando criar a minha própria sonoridade.
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Quais as referencias musicais (artistas, músicas, épocas,…) mais vincadas no teu estilo?
DL – Cheguei à conclusão que tenho sérios problemas em de?nir e avaliar isto que faço. Vai sendo de?nida um pouco pela in?uência do que vou ouvindo e nisso a coisa também é um pouco dispersa. Tanto me passo a ouvir Darkside, Matthew Dear ou LCD Soundsystem como noutra altura aquilo que de?ne o que faço são quatro horas a escavacar no YouTube por música cigana, folclore andino ou brega brasileiro. Se calhar soa pretensioso e idiota ainda para mais depois de ouvir o simples e primitivas que são, mas aparece-me mais naturalmente do que parece por escrito. Os nomes e conceitos, esses, vêm mesmo de experiências mais pessoais só para lhes dar um pequeno significado, mas o propósito é criar qualquer coisa mais universal e livre de interpretações.
A eletrónica portuguesa tem pernas para andar?
DL – A eletrónica portuguesa anda. Não posso dizer que seja o maior seguidor do que se faz no país nesses termos, mas acho que só não sente isso quem não quer. E sabes que isso é bom quando são demasiadas pessoas e géneros para mencionar numa resposta assim a destacar-se pela presença constante em festivais ou nos principais meios de comunicação e difusão de nova e boa música. A dança chegou para ?car há muito tempo, em Portugal também é (muito bem) feita e eu quero explorá-la para construir a minha proposta como forma de me entreter.
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