Com rapidez, frontalidade e sem merdas ouvimos cantar bocados de vida. Uma vida real, ou não, romanceada ou não… mas ouvimos. Uma vida moderna, digital e sem tabús onde não há complexos em chamar as coisas pelos nomes. É-nos cantada com um ritmo fresco e dançante. Letras e músicas de hoje para gentes e multidões de hoje também. Já lá vão uns poucos meses desde que o Fred Pinto Ferreira (Orelha Negra, Buraka Som Sistema, Banda do Mar), o Regula e o Carlão (Da Weasel, Algodão) apareceram , assim que a hora de o fazer chegou, sob o nome 5-30, e começaram a tirar o pó aos gravadores de pistas e aos blocos de papel cavalinho que durante anos pautaram o melhor do Hip-Hop português. Temos saudades de (Sobre)tudo, de Beats Volume I, de Iniciação A Uma Vida Banal ou da 1º Jornada do Bellini: não dá para ter futuro sem um passado de qualidade, sincero. Mas hoje, com 5-30, temos uma porta nova aberta. De produção apurada e inovação no bucho, este grupo de bons (maus) rapazes, tal qual um Bruno Alves no seu auge, vieram dar um valente empurrão ao Hip-Hop português. Ouvimos com eles um som que não deixa de estar ligado às raízes históricas do movimento mas que, dentro dele, esgravata até o puxar à superfície da cena musical de hoje. Foi com imenso prazer que falamos com o Fred e o Carlão no backstage do NOS em Palco e fica aqui e agora, para vosso deleite e divertimento, o resultado da conversa.
Altamont – Primeiro: como nasceu o projeto 5-30?
Fred: O conceito começou-se a pensar entre mim e o Samuel (Sam The Kid) que temos uma grande admiração e respeito pelo trabalho do Carlão. Na altura da mixtape, em que ele participou, falou-se sobre a possibilidade de fazermos mais uns beats para ele (Carlão). Começámos a trabalhar nisso nessa altura e a coisa foi crescendo até estarmos aqui hoje.
Tendo quase todos esses projetos (Orelha Negra, 5-30) nascido uns a partir dos outros, há possibilidade de nascer mais outro grupo para lá de 5-30?
F: Não sei se irá surgir alguma coisa nova daqui, mas é possível. Tu vais conhecendo melhor as pessoas com quem estás, as suas influências, a sua maneira de trabalhar, etc. Se calhar, não vai sair daqui uma banda nova dentro de um ano, mas havendo uma equipa nova de trabalho, nunca se sabe. Por agora nem queremos pensar muito nisso, estamos mais concentrados em desfrutar este momento bom para nós.
Muita gente foi apanhada de surpresa quando o “Chegou a hora” foi lançado. Sem avisos nem teasers os 5-30 chegaram e conquistaram. Isso foi propositado?
Carlão e F: Sim, isso foi propositado.
C: A verdade é que quando começamos a fazer isto, a nossa ideia era lançar um EP. Aos poucos, à medida que íamos acabando músicas, apercebemo-nos que talvez não fosse má ideia apostar num disco. Por isso foi meio estratégia, meio levar as coisas com calma, sem alaridos, porque nós próprios não sabíamos bem o que ia sair daqui.
F: Chegou a uma fase que foi horrível! Não poder dizer a ninguém, ter que estar em segredo…
Passando mais para a música em si, a sonoridade de 5-30, como descrita na crítica que fizemos ao vosso disco, começa a divergir um pouco, tornando-se mais “Nova York e Los Angeles” do que “Chelas e Margem Sul”. Concordam com esta metáfora?
F: Eu, da minha parte, gosto muito de hip-hop, como gosto muito de Rock, como gosto muito de quase tudo. Não tenho essa distinção, considero-me uma pessoa eclética que gosta de vários estilos de música diferentes. Não tenho essa filosofia de o Hip-Hop ser mais “para aqui” ou mais “para lá”. Vou fazendo os beats e as músicas, que obviamente tem as minhas influências, mas nunca pensamos muito nisso. Aliás, o nosso disco nem é bem um disco de Hip-Hop puro e duro: é um disco de coisas que nós gostamos.
É um género híbrido, quase, não? Sente-se influências de R&B, Hip-hop,…
F: Exato! É um disco de coisas que nós gostamos de ouvir!
Mas voltando um pouco mais atrás, aos primeiros passos do hip-hop português, todos sabemos que, como é natural, a produção era toda muito rudimentar. Isso dava-lhe um som mais tosco, mais básico que hoje está muito mais aprumado, mais cuidado. Sentem que esse fluxo continua a existir ou não? É porque ao mesmo tempo temos assistido, principalmente em pessoal do estrangeiro, um regresso a esta sonoridade mais old school….
C: Epá, mesmo que as pessoas cá voltem a essa sonoridade old school, vão fazê-lo muito melhor. (Risos) Na altura, quando as coisas começaram, o pessoal ainda não dominava praticamente nada das poucas ferramentas que iam aparecendo por cá. Muito cedo se percebeu que seria a malta dos próprios grupos e do próprio movimento que teria de se auto-ensinar. Não havia quase ninguém a nível de produção que os conseguisse “trabalhar” convenientemente. Tirando um ou outro gajo que esteve sempre à frente do seu tempo, o pessoal teve um certo compasso de espera até que aparecesse essa cena do “produtor”. Agora não, agora há produtores como o caralho (risos). Mas isso também é bom! Em termos de opções estéticas as coisas vão sempre variando. Há sempre fases, há sempre revivalismos, há sempre futurismos e eu acho que ambas as coisas são boas desde que feitas pela razão certa: curtir a música, tirar prazer dela e, se possível, não se repetir demasiado. Vale tudo… desde que seja bem feito.
Antigamente costumava-se dizer que o Hip-Hop tinha uma vertente mais “social”, no sentido em que retratava mais as realidades suburbanas, por exemplo, mas que agora ele está a tornar-se mais hedonístico, mais egocêntrico. Concordam?
C: Acho que sempre houve as duas coisas. Agora se se ouve mais ou não, não sei. Talvez as primeiras coisas que foram aparecendo em Portugal tivessem sido mais de revolta social, ya, mas nos Estados Unidos, quando o Hip-Hop nasce em Nova York, muitas e muitas vezes se falava de dinheiro. Por isso acho que essas duas vertentes sempre existiram, mas não posso falar do movimento Hip-Hop com muita propriedade porque honestamente é uma coisa da qual me fui desligando com o passar dos anos. Contudo acho que apesar de essas duas vertentes ainda existirem, é natural que o que passe mais na rádio tenha muito menos conotações políticas ou de carácter social mais intenso, por exemplo.
Todos sabemos que Portugal sempre foi um país muito conservador, onde músicas com palavrões foram sempre olhadas de lado. Hoje, acham que já podemos dizer “Foda-se, até que enfim que já podemos dizer asneiras na música à vontade.”
F: Podes sempre dizer, mas tens de saber de antemão que mesmo que seja a melhor música do ano, ela não vai passar na rádio.
Ainda continua a haver esses estigmas?
F e C: Sim, claro que sim.
F: Às vezes nem precisas de dizer “Foda-se”. Uma das nossas músicas, a “Vício”, tem uma palavra que nem é uma asneira e só por isso já houve rádios que não a quiseram passar.
C: Ou fazes um edit, como se faz lá fora….
F: O que ajuda é o facto de teres muitos mais canais de promoção de música, como o Youtube, por exemplo. Deixa-te ficar mais à vontade. O Regula é um exemplo disso mesmo: tem o sucesso que tem e quase nunca toca na rádio. Foi por outro caminho e foi muito bem.
Mas não deixa de ser curioso observar o panorama do Hip-Hop em Portugal, vê-lo de boa saúde, mas ao mesmo tempo sabermos destes constrangimentos semi-idiológicos. Acham que as novas tecnologias vieram ajudar a contornar esses obstáculos?
F: Eu sinto que o crescimento do Hip-Hop é quase indissociável do crescimento da internet. Muitos géneros de música que não conseguem passar pelos canais mediáticos mais mainstream optam por essa outra saída. A internet veio dar uma força a tudo o que era mais “underground” e abriu-lhes um caminho interessante. Por isso é que hoje consegues ouvir muitas coisas boas que há uns vinte anos não conseguirias. Como é que ias descobrir um Halloween? Ou ias lá ao bairro dele bater-lhe à porta ou então ia ser muito complicado.
C: E mesmo o avanço tecnológico do material de gravação e produção ou o acesso a computadores, mudou radicalmente. Antes para comprares um programa qualquer de edição era um pincel enorme… Para gravares uma maquete, então…. Agora se é aquilo mesmo que queres, fazes um esforço e estás lá.
F: Nós fizemos o nosso disco, basicamente, com uma MPC, um portátil e um microfone. No fundo no fundo foi quase só isso.
C: E com extremo bom gosto também, como é óbvio! Isso e que muita gente hoje já não tem! (Risos) Mas falando a sério, muita gente se queixa que hoje em dia aparecem coisas novas a toda a hora. Eu não acho isso mau, muito pelo contrário. Sem variedade não evoluis, é simples. Por exemplo, o elogio mais fixe que fizeram aos 5-30 veio de um dos gajos dos Tribruto: chegou-se ao pé de mim e disse “Chavalo, vou fazer um disco que vai matar os 5-30!”. Epá e isto é é o melhor que se pode ouvir. Percebes que pelo menos para aquela pessoal o que fizeste é uma referência, um padrão de qualidade e isso é que movimenta as coisas.
F: Mas no caso da música portuguesa no seu todo, acho que a internet ajudou de uma forma incrível. Ela hoje está numa forma incrível precisamente graças à internet e à ajuda que ela deu na divulgação destes novos artistas. Motiva a criação, quanto mais não seja. Hoje um miúdo de 15 anos consegue fazer um álbum em casa com o melhor amigo dele e antigamente isso nem se imaginava como possível. Eu tive de passar por concursos de bandas, num deles,o prémio era a gravação de uma maquete. Concorremos, ganhamos e tivemos a nossa maquete, a mesma que eu depois fui entregar aos Da Weasel, em Paredes de Coura, nós uns chavalitos, ainda. Eles ouviram. Mostraram ao produtor deles na altura, o Mário Barreiros, e depois conseguimos ir para o estúdio dele gravar. Isto tudo num ano! Hoje faz-se em um ou dois dias.
Vocês estão quase todos envolvidos em projetos diferentes. É difícil conjugar isso no ambiente de banda?
C: Epá até agora tem sido tranquilo. Nós temos um mercado muito pequeno, o que facilita um bocado as coisas neste sentido. Se tivesses em duas bandas grandes nos Estados Unidos, por exemplo, nunca conseguirias fazer um trabalho de jeito – estavas em tournée com uma durante meses, depois ias para outra mais não sei quantos meses… O facto de Portugal ser pequeno tem o seu lado mau, mas também facilita-nos a vida neste caso. Tu com facilidade consegues fazer várias coisas ao mesmo tempo, o que é muito fixe.
F: Mas também já aconteceu um dia não marcarmos um concerto porque eu já tinha um marcado ou o Regula tinha outra cena também. Isto tudo faz parte das regras que nós estabelecemos entre nós no início disto tudo. Vamos curtir, vamos fazer isto conforme vai dando e depois logo se vê.
O vosso primeiro concerto ao vivo foi na Semana Académica de Faro com casa cheia. Qual foi a sensação de tocar o disco pela primeira vez para tanta gente?
F: Foi do caralho! Para mim houve duas surpresas grandes: primeiro, conseguirmos pôr uma coisa que tivemos a preparar durante um ano inteiro em movimento, ao vivo. Depois, eu sabia que íamos ser bem recebidos porque o pessoal lá de baixo é sempre cinco estrelas, temos todos uma relação especial com eles, mas não estava à espera de ver as pessoas a cantar as músicas como cantaram. Isso foi a segunda surpresa. Quando o concerto acabou pensámos que tinha sido uma “fézada”, que no dia a seguir íamos tocar à Caparica e a coisa seria mais calma, mas chegamos lá e “Pum!”- o pessoal todo a cantar outra vez. (risos). Não sei se isto significa sucesso, mas pelo menos significa que aquelas pessoas todas que ali estiveram ouviram o teu trabalho, identificaram-se com aquilo e isso é uma sensação incrível.
C: É verdade que nós já temos todos um nome que já chama à atenção de muita gente, mas ter uma banda em que no primeiro concerto, depois de lançar o primeiro disco, as pessoas já o sabem quase de cor… isso para mim nunca me aconteceu. Sentimos que não estávamos enganados quando achámos que tudo isto ia valer a pena.
Agora tenho uma pergunta específica para cada um: a primeira é para o Fred. Tu para além dos Orelha e de 5-30 tens também a Banda do Mar (com Mallu Magalhães e Marcelo Camelo) e vários outros grupos. Dirias que é o teu ano mais prolífico a nível de trabalho?
F: Não, pá. Essa questão já me persegue há imenso tempo. Eu sou uma pessoa normal que tem família, amigos, isso tudo (risos). O que eu tento e sempre aprendi a procurar é escolher fazer coisas que marcam, que não passem despercebidas. Graças a Deus e a muito trabalho, vou conseguindo, de uma forma ou outra, fazer parte de projetos que realmente chegam às pessoas. A gestão de tudo isto, às vezes, é fodida. Exige muita compreensão por parte de todos para não prejudicar ninguém. Mas também te digo que hoje em dia, em Portugal, se tu não tens duas ou três coisas que te safem no final do mês e queres viver só da música, é muito complicado. Se eu não tivesse três bandas ou se tivesse só os 5-30, muito provavelmente teria de trabalhar num restaurante ou num supermercado.
E agora para ti, Carlão: Agora com os 5-30 começamos a voltar a ver o género de rima ao estilo Da Weasel a vir ao de cima. Muita gente já tinha saudades disso, tu também tinhas?
C: Epá não tinha saudades mas à medida que o disco foi crescendo e que a coisa começou a aproximar-se mais desse registo, descobri que afinal, apesar de não sentir as saudades, elas estavam cá. E tudo isto dá-me um prazer do caralho. Agora estou a fazer um circuito de concertos com 5-30 que pensei que já me cansava, mas a verdade é que estou com uma pica do caraças! Estamos a tocar o “Placas” e eu fico logo aos pulos, parece que estou num trampolim! (Risos) Eu pensava que não estava ainda com a cena dentro de mim, mas a verdade é que assim que comecei a fazer sons e a tocá-los ao vivo, caí em mim.
F: E não é só compor e tocar ao vivo! Todos os jantares, viagens, tudo isso é espetacular. Faz todos os sacrifícios valer a pena.
Para acabar: podemos esperar mais coisas dos 5-30?
F: Nós fizemos isto sem planos. E a nossa combinação foi um bocado “curtir o momento e depois logo se vê”. Nós estamos aí agora, a curtir o momento. Não te posso garantir que para o ano já temos um CD novo, mas sei lá, se surgir um grande feeling, não o vamos ignorar. Resumindo, não sei quando será, mas há de haver mais coisas, eventualmente.
C: Eu estou bué de acordo com isso. Nós estamos todos a curtir imenso tudo isto e quase de certeza vamos fazer outro disco, não há é aquela pressão em fazer já ou daqui a dois meses ou daqui a um ano.
F: Nós até já temos beats novos e tudo, agora temos é de ter calma e subir um degrau de cada vez. Aproveitar o momento e depois logo se vê.
Fotos: Francisco Fidalgo
Excelente. Bela entrevista e um óptimo disco.