O suspiro final deu-se com Deluxe, o segundo disco da banda Harmonia. À curta vida do trio composto por Rother, Moebius e Roedelius seguiu-se o caminho da eternidade. Deluxe não descola do ranking dos melhores álbuns de krautrock de sempre, embora não seja tantas vezes lembrado como deveria ser. Façamos-lhe justiça!
Já por aqui havíamos escrito sobre o álbum inaugural deste super-grupo alemão de música kraut. Composto pelos senhores Michael Rother (ex-guitarrista dos Kraftwerk e, na altura, membro dos Neu!), Hans-Joachim Roedelius e Dieter Moebius (ambos integrantes da banda Cluster), Harmonia teve uma curtíssima existência. No entanto, enquanto foi vivendo e gravando, conseguiu o que poucos conseguem alcançar: o Olimpo libertador das leis da existência musical. Por isso, ainda hoje são referências os seus dois únicos trabalhos de estúdio. Tanto Musik Von Harmonia como Deluxe deixaram marcas indeléveis na história da música eletrónica mundial, sendo ambos considerados, e bem, trabalhos de riqueza sonora ímpar. Ouvidos pela ordem em que foram lançados, o primeiro em 1974 e o segundo no ano seguinte, eles completam um curto ciclo evolutivo, deixando em aberto um caminho e um futuro que não chegaram a ser percorridos. Foi pena que não tivesse sido cumprida essa tão predestinada direção, seguramente grandiosa. Mas, mais do que lamentar o que não houve, o melhor é celebrar o que existe. Façamo-lo, então, convictamente!
Deluxe é um disco que encerra apenas seis composições musicais. Todas elas são exemplares perfeitos de um certo krautrock à maneira de bandas como os já mencionados Kraftwerk, Neu! e Cluster, mas fazendo também ter presente nas nossas cabeças os sons saídos de discos dos La Düsseldorf , por exemplo. Todos estes grupos ajudaram a construir um som com preocupações melódicas e rítmicas bem definidas. Alguns dos temas, principalmente os dois primeiros – “Deluxe (Immer Wieder)” e “Walky-Talky” – são obras que deveriam ombrear com as mundialmente conhecidas “Autobahn” ou “Isi”, clássicos absolutos produzidos pelos homens robóticos de Düsseldorf (a primeira) e pelos génios da motorika formados também na mesma cidade alemã, os Neu! No entanto, por razões que nunca terão uma explicação lógica, são temas menos conhecidos, embora igualmente fundamentais. Já “Monza (Rauf und Runter)”, com o seu início tranquilo e sossegado, descamba primorosamente para ritmos mais acelerados, tornando-se prima direita de “Düsseldorf “, tema de abertura do álbum inicial dos La Düsseldorf. De seguida, a swingante “Notre Dame” não nos deixa a cabeça tranquila com os seus altos e baixos, com os seus levantes e pousios constantes e sucessivos. “Gollum” é mais conciso, mais claro, transporte garantido para zonas de maior reflexão e sossego, embora nunca deixando de revelar alguma margem de inquietação. A pulsação constante, os ruídos de fundo por detrás dos sintetizadores e das guitarras não nos permitem aspirar ao descanso absoluto, que entretanto parece chegar com a derradeira “Kekse”. O seu embalo simples e inocente parece contar-nos uma qualquer história onde as personagens imaginadas terão de ter forçosamente um final feliz.
Deluxe tem quarenta e dois minutos de duração, mas o seu encanto particular (é um disco bem diferente de Musik Von Harmonia, sobretudo por apostar mais em temas próximos do formato canção, sem dar espaço ou margem para algum do experimentalismo sentido no disco de 1974) perdura durante muito tempo após cada audição. Como Deluxe é um “velho amigo cá de casa”, já o sentimos tão nosso que os minutos da sua extensão parecem estender-se pelas décadas de conhecimento que temos dele. E se, por mero acaso, o leitor estiver ainda bastante imberbe no que diz respeito ao conhecimento dessa soberba e tão diversificada linguagem musical que dá pelo nome de krautrock, então não hesite em poder começar por aqui. O segundo e derradeiro disco dos Harmonia garantir-lhe-á uma entrada de luxo!