Silêncio agora. Na teoria, o que este álbum precisaria é de silêncio, silêncio total e absoluto, para uma correcta e frutuosa absorção do mesmo.
Mas, sejamos sinceros, será que alguém, no ano da graça de 2014, consegue ter 40 minutos de silêncio total à sua volta? Sem um carro a buzinar, uma ambulância a passar na rua, um telemóvel a tocar ou vibrar, uma televisão ligada? Sem ninguém à volta a chamar, sejam mulher, marido, filhos, pais? (incrível como a evolução nos levou a este ponto em que perdemos uma coisa tão importante como o silêncio, ainda mais agravado pela diversidade e quantidade de obras para serem apreciadas que necessitam de total concentração, mas adiante). Pois bem, eu também não conseguindo os tais 40 minutos, decidi enfrentar o touro pelos cornos e lancei-me na sua audição no pior sítio possível – no carro, no percurso casa – trabalho pela manhã. Tinha tudo para correr mal e chegar ao meu destino 40 minutos depois sem reter uma nota que seja, sem um gostinho do que é este Ruins. Segunda circular adentro, tudo parado, carros a forçar mudanças de via, aviões a passar por cima da cabeça. Isto enquanto decorria o primeiro minuto do álbum e recordo-me de começar a ouvir um piano e uma voz ao fundo. Instalou-se. O carro de trás buzinou para andar. Fiz-lhe um olhar chateado pelo retrovisor, mas ele tinha razão, o carro da frente já lá ia e eu parado, estático, e os das outras faixas a aproveitarem para se meterem. Andei uns metros e parei novamente. Senti os prédios à volta a desaparecerem e a serem substituídos por uma paisagem rochosa, um mar mexido lá ao fundo, a perder de vista. O piano a pairar, a voz a fazer-me levitar. O carro do lado, feito de metal, a desaparecer. Depois o do outro. O de trás a ser varrido. Ainda tenho algumas memórias do da frente, a chamar-me para ir atrás dele. Uma placa a dizer IC 19 em frente. Os sentidos a confundirem-se, o tacto agarrado a um volante, mas a visão a mostrar um campo verdejante, o olfacto a sentir o mar o ouvido no piano e na voz. Um labirinto onde entrei e onde não foi fácil encontrar a saída. Um farol que apareceu ao virar da encosta, a iluminar o mar e a terra. A história do General Holifernes, chefe máximo das tropas assírias sob o rei Nebuchadnezzar. O agarrar-se a algo com todas as forças. Uma força transcendente feita de ar. Sintra. Como é que cheguei aqui?