Os Expresso Transatlântico levaram naperons, muita vontade de tocar, e o Conan Osíris para o baile de apresentação do seu disco de estreia, Ressaca Bailada, no B.Leza
O sinal à porta não deixava margem para dúvidas: Lotação Esgotada. O evento da noite seria especial, afinal, não é qualquer um que esgota o B.Leza. Lá dentro, o público aproximava-se do palco com um interesse e uma ausência de timidez pouco comuns. Era notório um burburinho de antecipação e expectativa. O que seria que tanta gente tinha tanta vontade de ver tão de perto? Em palco, guitarras e baixo eléctricos, uma bateria, amplificadores, tudo certo, mas, aquilo é um naperon?
O mote da noite era a apresentação de Ressaca Bailada, o álbum de estreia de Expresso Transatlântico, ou, nas palavras da própria banda, “dar um baile à ressaca”. Tendo o concerto sido a uma quinta-feira e a uma hora relativamente civilizada, dificilmente existiria entre os presentes grandes ressacas para pôr a bailar (estas terão vindo depois), mas a verdade é que o entusiasmo para ver a banda lisboeta ao vivo, e para perceber como é que a experiência de estrada ganha desde o lançamento do primeiro EP em 2021 influenciou a apresentação de Gaspar Varela, Sebastião Varela e Rafael Matos em palco, era palpável.
O concerto ainda não tinha começado e já era fácil sentirmo-nos envolvidos pela atmosfera rock-kitsch-tradicional da música dos Expresso Transatlântico. Estes sempre tiveram um grande cuidado com a componente estética do seu trabalho, visível tanto nos videoclips como nas imagens que produzem para acompanhar a música, e este novo trabalho (e o respetivo concerto de apresentação) não fugiram à regra. O jogo de luzes provocado pela bola de espelhos no teto, as flores espalhadas no chão e, lá está, os naperons a cobrir amplificadores, remetiam-nos para a capa cor-de-rosa choque de Ressaca Bailada e deixavam água na boca para a viagem entre Alfama, Texas, e o resto do mundo, que os Expresso Transatlântico tinham preparado.
Um pouco depois da hora marcada, os músicos entraram em palco, primeiro os músicos de apoio (Tiago Martins no baixo, Zé Cruz nos teclados e sopros e Iúri Oliveira nas percussões) e depois a banda principal. Sem perder ainda muito tempo a cumprimentar quem ali se juntou para os ver, lançaram-se imediatamente numa introdução que não demorou a dar lugar a “Primeira Rodada”, a primeira malha que os Expresso Transatlântico lançaram e, por isso, a abertura perfeita para o concerto de apresentação do seu álbum de estreia. Aqui, a bateria lenta e groovy de Rafael começou por segurar as atenções, mas não demorou até que o som dos tacões de Gaspar a bater no chão de madeira do palco do B.Leza nos obrigassem a olhar para o puto com pinta de toureiro fadista que começava já a ensaiar movimentos pouco usuais para quem está a tocar uma guitarra portuguesa. “Western à Lagareiro”, já do álbum novo, seguiu-se e, no fim, Sebastião agradeceu à audiência por fazer parte daquele novo capítulo – “não estava à espera de ver uma casa cheia, obrigado”. Depois de “Stárerópz”, que prolongou a atmosfera dançante de Ressaca Bailada, Gaspar subscreveu os agradecimentos feitos pelo irmão mais velho, mas não se mostrou ainda satisfeito com o nível de entusiasmo do público – “vocês estão muito parados, é para dançar, bora lá”. “O Gangster”, a canção do novo álbum que escolheram dedicar aos Dead Combo (assumidíssima influência e inspiração da banda), era a seguinte no alinhamento e Gaspar não quis deixar de a apresentar como “a nossa beijoca laroca para o Pedro Gonçalves e para os Dead Combo” antes de mandar seguir a festa e enquanto trocava momentaneamente a sua guitarra portuguesa por uma guitarra elétrica. Os primeiros acordes, bem à Dead Combo, conseguiram que o público, que começava a alinhar no baile idealizado pelos Expresso Transatlântico, se deixasse levar pela pinta e pela clara vontade de tocar dos manos Varela na frente de palco, assim como pelo excelente trompete de Zé Cruz. Estava feito o aquecimento.
Para “Porque Nada Tem um Fim”, mais calma e mais próxima dos primeiros trabalhos dos Expresso Transatlântico, Gaspar sentou-se num banquinho vermelho (que mais tarde usaria para se empoleirar durante um refrão particularmente entusiasmante), numa posição mais próxima das dos guitarristas mais clássicos. No fim, Rafael usou da palavra para também ele agradecer a companhia naquele momento especial para a banda. “Esta malha é antiga, vejam lá se conhecem” disse-nos para apresentar “Azul Celeste”. Já mais à vontade e completamente dentro do ritmo do concerto, todos os músicos subiram a parada do baile, pulando e puxando pelo público que respondia avidamente, atento a cada dedilhar de guitarra e a cada solo de trompete. Ficou claro (como se dúvidas houvesse) que particularmente Gaspar é um animal de palco, ocupando muito bem o seu lugar junto do público e dançando com a sua guitarra, debruçando-se totalmente sobre ela e arqueando as costas logo a seguir, e sem nunca deixar de marcar o ritmo com o tacão das botas. Quando a banda já parecia pronta para terminar a canção, Gaspar não deixou, mandando, com um ar de miúdo reguila que sabe que lhe estão a achar imensa graça, que se desse mais uma volta, continuando, assim, a festa. “Bombália”, faixa que abre Ressaca Bailada, continuou esta sequência explosiva e deu seguimento ao baile, agora já bem animado e bastante quente. Aqui foi a guitarra de Sebastião que brilhou mais, mantendo, ainda assim, um diálogo com a guitarra portuguesa através da constante troca de olhares que os dois irmãos mantinham em palco. No fim, todos saíram e baixaram-se as luzes, deixando Gaspar sozinho, sentado no seu banquinho, à frente do palco, transformando assim o B.Leza na sua casa de fados. Sem pausas para conversas ou explicações, Gaspar, muito sério pela primeira vez desde o início do concerto, interpretou a solo partes de três temas: “Variações em Lá Menor”, de Artur Paredes, “Verdes Anos”, de Carlos Paredes, e “Fado Lopes”. A sala permaneceu em absoluto silêncio (silêncio que se vai tocar o fado), como que hipnotizada pela belíssima interpretação de Gaspar. Esta é, afinal, a sua escola, e é aqui que se vê o extraordinário domínio do instrumento que Gaspar atingiu ainda tão novo e que continua a não descurar, mesmo durante as suas andanças mais “rock and roll”.
Depois da viagem às casas de fado de Alfama, onde Gaspar e Sebastião cresceram junto da bisavó Celeste Rodrigues, o resto da banda regressou ao palco pois ainda havia canções do novo álbum para mostrar. Não foi apresentada, mas os primeiros acordes de guitarra portuguesa tocados por Gaspar não deixaram ninguém indiferente – “Barquinha”, single lançado ainda em 2022 com a participação de Conan Osíris e a única faixa com voz de Ressaca Bailada, era a seguinte do alinhamento. A surpresa, ou talvez não, foi o aparecimento do próprio Conan Osíris em palco para cantar a sua letra ao vivo, juntando a sua voz ao ritmo da guitarra de Sebastião e da bateria de baile de Rafael. Também ele um animal de palco, o aparecimento de Conan, que conseguiu pôr a audiência a cantar consigo “olha se eu virar a barquinha, sabes se Deus vai lá estar”, foi fugaz, mas intenso, tendo até envolvido um pedido de casamento (que foi aceite) a meio da canção. No fim Conan saiu tão discreto como entrou e Sebastião aproveitou o agradecimento que fez ao amigo pela participação especial para agradecer a todos os envolvidos na gravação, produção e lançamento do novo disco. “Há bué gente para agradecer, vão ter que me aturar” – disse feliz. Mas Gaspar tinha um aviso: “Calma que isto não é o fim do concerto ainda, há muito mais para dançar”. “Ressaca Bailada” e “Beco da Malha” fecharam a secção oficial do alinhamento, sendo que Gaspar prometeu logo um encore – “depois fazemos aquela cena em que fingimos que saímos e voltamos” – enquanto pedia que subissem o som da sua guitarra para o máximo. “Precisamos mesmo que dancem agora, este é um concerto para dançar e para se sentirem livres” – Gaspar não teve que pedir muito, já que as duas canções que fecham o álbum de estreia são irresistíveis e que a banda estava com um entusiasmo contagiante. Num momento mais calmo da faixa “Ressaca Bailada” foi possível admirar a versatilidade do percussionista Iúri Oliveira, que passou todo o concerto a acrescentar deliciosas texturas às canções, e na “Beco da Malha” quem brilhou foi Zé Cruz com a sua ocarina. Mais uma vez Gaspar não deixou acabar a canção no momento devido, continuando a viagem para mais uma volta, mais um pezinho de dança, e incentivando o público a cantar uma parte.
Terminada a música, a banda fez uma saída abruta que não enganou ninguém e rapidamente voltaram para se lançarem na sua versão do fado “Eu Dantes Cantava”. Apesar de nunca ter sido gravada, esta cover já faz parte do alinhamento dos Expresso Transatlântico há algum tempo e os próprios já tinham falado ao Altamont do sucesso que esta faz ao vivo. A versão do B.Leza não desiludiu, tendo incluído o público a cantar o refrão instrumental da canção a plenos pulmões e um crowdsurf de Gaspar com a sua guitarra (a sua trademark) que o levou quase ao fundo da sala antes de regressar ao palco. Naquele que foi, provavelmente, o ponto alto do concerto, todos os intervenientes estavam a 100% da sua forma, tocando, dançando, improvisando, e comunicando uns com os outros através de olhares, satisfeitos e atónitos em partes iguais, com o sucesso daquela aventura. O concerto terminou com a velhinha “Alfama, Texas”, que teve direito a solos de bongós e a Gaspar a largar a guitarra para se juntar a Rafael na bateria. Para terminar, todos procuraram a confirmação de Gaspar, não fosse este lembrar-se que ainda queria mais, mas não, desta vez estavam alinhados. Os seis músicos assolaram, por fim, à frente do palco, para agradecerem o carinho do público que os aplaudia efusivamente, todos cansados e com calor, mas satisfeitos e cientes de que se ressaca-bailou, e muito, ali naquela noite.
O B.Leza, um dos poucos sítios onde ainda se fazem concertos ao vivo em Lisboa, como mencionou a banda a certa altura, foi talvez o local perfeito para o concerto de apresentação de Ressaca Bailada, com a sua envolvência cor-de-rosa e a proximidade do mar (outro elemento muito presente na estética dos Expresso Transatlântico). Ainda que tímido ao início, o público entrou bem na onda mais dançável das novas canções, puxados pela energia e pelo talento, mas, sobretudo, pelas notórias ganas de tocar e de deixar tudo em palco que os três colegas de banda levaram ao Cais do Sodré. Foi bonito e especial este primeiro baile dos Expresso Transatlântico. Auguramos-lhes um futuro brilhante. A ressaca, essa, parece-nos que vai demorar a passar, pelo menos enquanto as belas memórias deste concerto se mantiverem vívidas.
Alinhamento
- Intro
- Primeira Rodada
- Western à Lagareiro
- Stárerópz
- O Gangster
- Porque Nada Tem Um Fim
- Azul Celeste
- Bombália
- Solo Gaspar
- Barquinha
- Ressaca Bailada
- Beco Da Malha
— Encore —
- Eu Dantes Cantava
- Alfama, Texas
Fotografias de Inês Silva