Primeiro, a capa. Sempre foi o que mais me fascinou neste disco.
Tenho-o em vinil, foi-me oferecido há vários anos, e o que mais frequentemente me chamou a atenção foi a capa. Do ponto de vista artístico e visual é bastante interessante, mais ainda no formato 31 cm do vinil.
Mas por que raio é que a capa me seduz mais que a música deste disco? Porque eu, como o mundo, não estava preparado para um disco dos Doors sem Jim Morrison. Quando este álbum me chegou às mãos, não sabia do que se tratava. Logo me explicaram ser isto – um disco dos Doors sem Jim – e o meu interesse no disco foi tanto como em levar chibatadas nas pernas.
O preconceito acabou por passar, ouvi o disco… mas, ao fim de vários anos, não terei ouvido mais que uma dezena de vezes. Já os restantes discos dos Doors, nunca lhes estimei as capas, mas tê-los-ei ouvido centenas de vezes.
Repito o que já foi dito na crónica ao Other Voices – o mundo, como eu, não estava preparado para um raio dum disco dos Doors sem Jim. Quanto mais dois discos.
Other Voices e Full Circle são a prova de que a música não é uma ciência exacta e mexe com subjectividades, imaginários. E o imaginário Doors é 90% Jim Morrison. Não se pode – ou não se deve – por isso, brincar com esse imaginário. Os Doors são um quadrado perfeito composto por Jim, John, Ray, Robbie. Qualquer alteração a este quadrunvirato é o fim dessa fórmula perfeita. E o que John, Ray e Robbie fizeram foi precisamente arruinar o imaginário Doors ao continuar com essa designação quando já não existia uma das partes. Podia até nem ser o Jim – também não imagino uns Doors sem Manzarek – mas não seriam nunca os Doors. O pecado torna-se maior por ser, de facto, Jim Morrison que já não existe nesta banda.
Porque este não é um mau disco. É um simpático álbum de blues com pinceladas de country e alguns devaneios de improvisação meio jazz. Tem alguns momentos interessantes, as canções que abrem o lado A e o lado B (“Get Up And Dance” e “The Mosquito”) são talvez os mais aproximados, ainda que a uma distância considerável, dos discos antigos. Mas peca por ser assinado por The Doors. Essa assinatura está intimamente ligada a uma série de emoções, ideias e critérios, inexistentes em Full Circle. Porém, a nossa mente vai automaticamente buscar todas essas referências e ao notar a sua ausência, a desilusão é ainda maior. Acredito que uma pessoa que ouça este disco sem saber o que é vai decerto valorizar bastante mais a música do que alguém que que sabe que isto é Doors.
Desses, que conhecemos desde 1967, já poucas características encontramos em Full Circle. Alguns solos do órgão mágico de Manzarek, uma ou outra guitarrada de blues bêbado, mas pouco mais. Falta a inspiração, a presença possante, a voz incomparável, o génio poeta.
E é por isso que deste Full Circle não reza a história. Porque os Doors que sobreviveram a Jim Morrison quiseram prolongar a vida da banda, quando ela já estava em coma, ligada à máquina e com enormes dificuldades em respirar.
O público sentiu isso e Full Circle foi um fracasso (não que o volume de vendas e a qualidade estejam directamente relacionadas, mas todos os discos com Jim estiveram no top 10 nos Estados Unidos) e passou despercebido – não só na altura mas ao longo das gerações seguintes.
A História podia ter sido outra, caso os sobreviventes quisessem ter assumido uma nova identidade musical. Em vez disso preferiram arrastar o caixão e esta fase Doors sem Jim durou pouco. Para mim, a discografia dos Doors encerra em L.A. Woman. Ponto final.