Odiados e amados pelas mesmas razões, os Deafheaven meteram o dedo na ferida e abalaram o estereótipo respeitante ao Black Metal. A sua sonoridade, que alia a intensidade emocional dos habituais dedilhados post rock, as muralhas de som do shoegaze e os poderosos blast beats comuns na frieza do metal extremo, tem sido muitas vezes acusada de não ser suficientemente “TRVE” (“verdadeiros ao culto”, conhecidos na cultura popular do meme) e o seu sucesso tem causado problemas de identidade no Black Metal. Ou será, apenas, uma expansão dos limites do universo do género?
Quase sempre longe da ribalta, esta faceta extrema da música pesada recolheu, após duas décadas de existências, os seus traços e cânones. No fim do período de novidade dos 90’s e 00’s, houve uma cisão: aqueles que expandiram o conceito do próprio género, enquanto outros negaram – cegamente – qualquer hipótese de experimentação. Na linha de mudança, após bandas como Wolves In The Throne Room, Alcest e Agaloch darem os primeiros passos, apareceram os norte-americanos Deafheaven que, deixando o corpse paint em casa, encontraram o seu espaço. Na panela, a juntar à fervedura BM, algumas bandas colocaram elementos do shoegaze, do post rock e até mesmo do indie rock do novo milénio.
No que toca aos Deafheaven, sob a tutela dos Russian Circles, que os motivaram e ensinaram a tocar guitarra, Sunbather (2013) foi a estreia e, como já se esperava, foi recebida com aplausos e assobios. Quase pela primeira vez, alguém ousou sobrepor um gutural agudo, uns blast beats e acordes dissonantes sobre uma parede de som com riffs emocionais, que estavam, muitas vezes, em escalas maiores – que é, quase, um pecado capital. A atmosfera, ao contrário do Black Metal, não é gelada, mas também não é alegre. Uma indefinição atípica que leva, muitas vezes, a um desconforto. Mas esse desconforto emocional, cada vez mais aplaudido do que apupado, tem aberto mentes ao mundo atmosférico do Black Metal e, mais ainda, levado metaleiros aos mundos igualmente atmosférico do shoegaze e restantes influências.
O ano passado, New Bermuda (2015) apresentou uns Deafheaven mais sombrio e adultos. Basta ouvir a diferença entre os singles de Sunbather, “Dream House”, e New Bermuda, “Brought to the Water”. E será esse o disco que, esta noite, se ouvirá (e sentirá) por Lisboa.
Hoje em Alvalade, no RCA Club pelas 20h30, será possível assistir ao vivo o culto de Deafheaven. Antes, também a assombrosa Myrkur irá atuar. O bilhete custa 20 euros.