
Em 2013, quando os Daughter tocaram pela primeira vez em Portugal, encheram o Coliseu de Lisboa e a crítica especializada chamou-lhes um fenómeno. A própria banda, já de si bastante tímida, ficou tão surpreendida que teve dificuldade em articular qualquer palavra a não ser uns mil obrigados seguidos. Quase como quando um bêbado consciente pede desculpa aos amigos por, enfim, estar bêbado. Da segunda vez, encheram a tenda do festival Alive, também em Lisboa, e a crítica voltou a chamar-lhes fenómeno. O público estava novamente rendido – ou derretido – às palavras e sonoridade sofrida da banda de Elena Tonra, Igor Haefeli e Remi Aguilella.
É preciso gostar dos discos de Daughter para se gostar de um concerto deles, porque ao vivo todas as canções se tornam ainda mais melancólicas e pesadas. Há ali uma carga emocional tão grande que leva o público a ficar dormente, mas atentos.
Foi assim com o primeiro álbum, If You Leave, editado em 2012, mas estou em crer que não acontecerá o mesmo com segundo.
Not to Disappear foi editado esta sexta-feira, 15 de janeiro, e se o primeiro disco da banda inglesa soava mais vocal que instrumental – ou numa outra leitura, parecia mais acústico que elétrico – o segundo álbum dá mais espaço aos instrumentos e mostra uns Daughter mais crescidos e prontos a explorar sonoridades mais etéreas e grandiosas.
As canções ganharam corpo e substância. São temas carnudos, com a bateria a destacar-se ainda mais e a guitarra a ganhar peso na composição, com solos mais rasgados e aqueles brilhantes movimentos circulares.
Há mais reminiscências de My Bloody Valentine e Beach House (por exemplo em “How”), mas mantém-se as sonoridade próximas de Warpaint ou Cat Power e até de Lana Del Rey (em “New Ways”). E alguns temas ritmicamente mais acelerados lá mais para o fim do disco, mas sempre mantendo a essência melancólica e sofrida que nos trouxeram no primeiro álbum.
Até porque as letras de Elena Tonra vêm com bagagem emocional e psicológica e requerem algum estômago.
Por exemplo, em “Doing The Right Thing” ouve-se “Then I’ll take my clothes off/And I’ll walk around/Because it’s so nice outside/And I like the way the sun feels” ou ainda “And when it’s dark/I’ll call out in the night for my mother/But she isn’t coming back for me/Cause she’s already gone”. E em “Alone/With You” canta-se “I hate living alone/Talking to myself is boring conversation/Me and I are not friends”.
Aliás já se passava o mesmo em If You Leave, por exemplo em “Youth”, onde se ouve a determinada altura: “Setting fire to our insides for fun”.
Diz-se que o segundo álbum é sempre o mais difícil, mas a banda inglesa ultrapassou bem esse obstáculo e fez um disco cheio e mais composto que o primeiro, alguns dirão mesmo que melhor. Certo é que, nos concertos, o público vai de certeza estar menos dormente.