Após cinco discos inatacáveis em apenas três anos, os Creedence Clearwater Revival resolvem fechar 1970 com um disco diferente. O fim estava próximo, mas a banda ainda tinha alguns cartuchos prontos a disparar.
Entre 1968 e 1970, antes do lançamento de Pendulum, os Creedence lançaram cinco discos de originais, todos coesos e de grande fulgor, levando os ouvintes a recriar o imaginário americano sulista, que, ironicamente, nenhum membro da banda tinha visitado até aí. Parece mentira, mas a verdade é que os Creedence Clearwater Revival são originários de São Francisco, capital da paz e do amor durante os anos 60, o que contrastava com o som que o quarteto nos dava.
Pendulum é o único disco dos CCR, em toda a sua a discografia, que não contém qualquer cover. Todos os seus trabalhos anteriores continham sempre um ou outro número em que a banda tanto transformava num longa jam (“I Put A Spell On You”, “Suzie Q”, “I Heard It Through The Grapevine ), como fazia a sua versão em modo sulista (“Good Golly Miss Molly, “Cotton Fields”, “Ooby Dooby”). Aqui todas as canções são escritas por John Fogerty, que viria a dividir essa função com Stu Cook e Doug Clifford, baixista e baterista, respectivamente, no disco seguinte. Pendulum é, também, o disco de despedida de Tom Fogerty, irmão mais velho de John.
A história da música está cheia de casos como os dos Creedence. Mais tarde ou mais cedo, todas as grandes bandas, por mais compactas que possam parecer, acabam por se separar. Bem, não todas. Os Rolling Stones, incrivelmente, ainda aí estão a carregar a tocha. No entanto, o mesmo não se passou com o grupo dos irmãos Fogerty. O desmoronar começa com a gravação deste Pendulum. O sexto e último disco com a formação original, um disco que soa a despedida, mas que tem momentos muito altos como a belissíma “Have You Ever Seen The Rain e roqueira “Hey Tonight”.
Desde a estreia, em 1968, os CCR subiram imediatamente na popularidade, principalmente norte americana, e o seu sucesso no seu próprio solo rivalizava com os próprios Beatles. No entanto, pese embora todos os discos da banda tenham tido grande sucesso, John Fogerty, o timoneiro e quase déspota do grupo, já começava a ficar cansado do estilo que ele próprio trouxe para o conjunto californiano, bem distante do Bayou que cantava. Ao fim destes três anos e cinco discos, o último dos quais o excelente Cosmo’s Factory, Fogerty decidiu que estava na altura de abraçar outras sonoridades e mostrar aos restantes pares e público em geral que os CCR não eram apenas uma banda básica de rock sulista. Tom, Stu e Doug pouco seriam consultados sobre esta decisão.
Reza a lenda que foi durante uma sessão com o enorme Booker T. Jones, que Fogerty meteu na cabeça que precisava de introduzir novas ideias no som dos Creedence. Em Pendulum, a guitarra eléctrica de John deixa de ser a rainha para serem introduzidos um órgão Hammond e um Saxofone, ambos tocados por si. Estas alterações não desvirtuaram o som característico do grupo, antes deram-lhe novas texturas e tonalidades, permitindo uma pequena evolução sem alienar em demasia o seu público, excepção feita a “Rude Awakening #2”.
Deste modo, podemos ver que, à primeira audição de Pendulum, o som dos CCR parece ir na mesma linha que os discos anteriores. No entanto, com um pouco mais de atenção, conseguimos encontrar as nuances de som que Fogerty introduziu neste disco.
Pendulum arranca a matar. Fogerty poderia ter em mente um novo som para a banda, mas não quis assustar os fãs. “Pagan Baby” mantém o som pantanoso do sul dos Estados Unidos. Uma mistura da agressividade de “Fortunate Son” com as guitarras frenéticas de “Ramble Tamble” e, em seis minutos e meio, estamos rendidos. No entanto, como já anteriormente referimos, “Pagan Baby” é apenas a porta de entrada para o disco, não o espelho do mesmo. A toada muda, torna-se, maioritariamente mais melódica e introspectiva, buscando sensibilidades no som típico da editora Stax, com os seus teclados, sopros e arranjos. O grupo, esse, pese embora o início do divórcio, mantinha-se fortíssimo a nível musical e John Fogerty, com a confiança nos píncaros, ia trocando a guitarra eléctrica pelo órgão e pelo saxofone sem a música perder qualidade.
É, então, à segunda faixa, “Sailor’s Lament”, que a banda começa a introduzir essa nova sonoridade, pouco perceptível à primeira audição, mas ouvindo o órgão, lá no fundo, vemos como este vai mudando o tom da canção, tal como a adição dos coros e o solo de saxofone. O mesmo se pode dizer de “Chameleon”, com os seus sopros.
De seguida, aparece-nos uma das canções maiores do que a vida. “Have You Ever Seen The Rain”, música que com uma melodia e letra belíssimas, retrata, para muitos, o fim da era dos sixties e da sua vontade de mudar o mundo. John Fogerty, em entrevista, referiu que a canção era sobre a crescente tensão entre os membros da banda e o facto de, embora fossem famosos e tivessem feito muito mais do que alguma vez imaginariam, o clima era de infelicidade e depressão – “Have you ever seen the rain, coming down on a sunny day?”. Uma faixa ao estilo de “(Sittin’ on) the Dock of the Bay”, de Otis Redding.
Em “(Wish I Could) Hideaway” temos uma espécie de balada, regada pelo órgão Hammond, enquanto “Born to Move” traz-nos a influência do groove da soul à moda da Stax. “Born To Move” começa com o toque habitual de Creedence, mas ao fim de dois minutos torna-se numa jam de bateria e órgão.
No entanto, os CCR nunca poderiam lançar um disco de originais e não ter uma canção bomba. “Hey Tonight” preenche esse requisito obrigatório. Uma canção pujante, onde a voz de Fogerty está no ponto e que, mesmo à primeira audição, parece que sempre fez parte da nossa memória, obrigando o ouvinte a colocá-la, obrigatoriamente, no volume máximo. Dois minutos e 44 de pura alegria.
A bonita “It’s Just a Thought” faz-nos descer à terra, com o seu som mais introspectivo. “Molina” volta ao som característico, mas com Fogerty a solar com o saxofone e “Rude Awakening #2” mostra a tal vontade dos californianos de fugir à imagem de banda rock básica. Uma canção instrumental que começa num ritmo calmo e que, perto dos dois minutos, se transforma numa cacofonia meio psicadélica, alienando, certamente, muitos dos ouvintes habituais dos Creedence.
Embora ligeiramente inferior, em termos de qualidade, em relação aos outros discos, Pendulum continuava a boa senda da banda californiana e mostrava que John Fogerty era um músico ímpar, pois ele fazia de tudo. Criava as músicas, escrevia as letras, tocava vários instrumentos e ainda produzia os discos. Apesar disto tudo, os restantes elementos não estavam satisfeitos com esta atitude “ditatorial” de John. Pediam mais participação nas músicas. Fogerty apenas respondia, e bem, que os sucessos anteriores falavam por ele. Quem já estava farto da situação era o seu próprio irmão, Tom. Ele que, em 1960, era o vocalista da primeira encarnação do grupo de seu nome Tom Fogerty and The Blue Velvets. Após o lançamento de Pendulum, Tom despediu-se e tentou a sorte a solo, lançando cinco discos antes da sua morte, em 1990.
O som que John Fogerty trouxe em Pendulum seria a base do que viria a ser o novo som dos Creedence, não tivesse a banda implodido. Com a saída de Tom, John fartou-se, deixou de querer lutar pela sobrevivência dos CCR e atirou para cima dos outros dois (Stu e Doug) a responsabilidade da criação do disco que se seguiria (Mardi Gras). Obviamente, as coisas não correriam bem e o grupo separar-se-ia, definitivamente, logo de seguida.
Embora tenha algumas faixas menos consistentes e importantes no repertório, Pendulum é um disco competente de uma banda a tentar evoluir, mesmo dentro de um ambiente claustrofóbico. Não é o melhor dos discos dos CCR, mas muitos grupos matariam por ter um álbum assim. E isto diz tudo sobre a banda mais fixe do rock ‘n roll.