Com Ill Communication os Beastie Boys atingem o ponto de maturidade na sua carreira, livre de pressões externas e conjugando num só disco tudo o que absorveram ao seu redor ao longo da mesma.
Os Beastie Boys serão para sempre uma banda controversa. A sua versatilidade natural levou-os a querer (e, por Toutatis, a consegui-lo) ser, um pouco de tudo, uma amálgama de estilos, e como tal alvo fácil dos puristas de géneros musicais que os queriam só para si. A história é bem conhecida, mas recentemente foi amplificada através do documentário Beastie Boys Story de Spike Jonze, num exercício revisionista estilo Power Point, mas que vale sobretudo pela nostalgia e por ser apresentado de viva voz por quem as viveu – Mike D e Ad Rock, infelizmente já sem o terceiro elemento MCA, falecido em 2012.
Debrucemo-nos um pouco sobre o contexto em que foi lançado Ill Communication, um objecto aparentemente fora do seu tempo, mas quiçá mais representativo do que muitos outros, na medida em que junta numa só peça ideias, estilos, correntes musicais diferentes que corriam em paralelo no longíquo ano de 1994. Acompanhem-me então de DeLorean até esse estranho ano por umas breves linhas.
Comecemos pelo top de singles do ano e temos a pop a dominar em todo o seu esplendor – Ace of Base, Bryan Adams, Céline Dion, Mariah Carey, Rednex e já para as margens mais R&B os Boyz II Men, All-4-One, R. Kelly, Salt N’ Pepa, Toni Braxton. Se quem estiver a ler tiver menos de 30 anos muito provavelmente não fará ideia de quem sejam estas figuras (e, pela vossa saúde, ainda bem). Saltemos para uma lista de discos tidos como dos melhores desse ano e a coisa já estará mais composta:
Jeff Buckley – Grace
Oasis – Definitely Maybe
Weezer – Weezer
Portishead – Dummy
Nirvana – MTV Unplugged In New York
Green Day – Dookie
Nas – Illmatic
Blur – Parklife
Soundgarden – Superunknown
Nine Inch Nails – The Downward Spiral
Uma lista bastante diversa, que vai desde os primórdios do nessa altura incipiente Britpop, ao punk pop, ao funeral do grunge, ao trip-hop, ao rock industrial e ao aparecimento de um novo hip hop. Houve portanto qualidade, mas os estilos estavam em diferentes encruzilhadas, enquanto uns desapareciam (grunge) e outros se transfiguravam (o rap/hip hop passou de MC Hammer e Vanilla Ice para Nas, Snoop Dogg), novos ramos surgiam na árvore (punk pop, trip-hop e britpop).
Por essa altura já os Beasties estavam longe da adolescência insana que os fez famosos com “Fight For Your Right (to Party)”, com as lições de vida daí retiradas absorvidas, e após o brilhante mas de difícil digestão Paul’s Boutique (1989) e Check Your Head (1992), esgalharam um disco que conjugava praticamente todas as forças acima citadas que mexiam em 1994. E conseguiram esse feito encaixando-as nas suas próprias vivências, quer vindas da espiritualidade (o Budismo de MCA), quer de influências musicais próprias (soul jazz, punk, hip hop), quer de gosto pelo desporto (várias citações à equipa mais odiada de sempre, os Detroit Pistons).
“Sabotage” é, inequivocamente, a prova mais evidente do que estou para aqui a dizer. Mesmo sem ser demonstrativa do que é o álbum, serviu para provar que os Beastie Boys eram mesmo capazes de tudo. “Patrocinada” por um histórico videoclip (está mais abaixo) dirigido por Spike Jonze, fez furor na MTV que era na altura a principal montra de bandas.
Não sendo este vosso escriba muito versado na arte do rap e do hip hop, penso ser consensual que nesses meandros há aqui canções desse espectro muito bem conseguidas casos de “Sure Shot”, “Get it Together”, “Do It”. Há também as deliciosas instrumentais “Sabrosa”, “Transitions” e “Shambala”, esta última com a referida ligação ao recém adquirido interesse pelo Budismo por parte de Adam Yauch, que levou a uma forte contribuição do mesmo para a causa, criando o Milarepa Fund e organizando vários concertos beneficientes – Tibetan Freedom Concert – o cartaz é de deixar água na boca.
A distância de “Cooky Puss“ a Ill Communication é abismal, o trio Yauch, Horowitz e Diamond conseguiram mostrar ao mundo, mas sobretudo a eles próprios que souberam amadurecer, evoluir na direção certa, cravando assim o nome de Beastie Boys a letras douradas na história da Música.