Com England Is a Garden, os Cornershop voltam a florir como há muito não faziam. O álbum é, como se percebe, um regresso à boa forma. Os dias felizes em que cantávamos “everybody needs a bosom for a pillow” estão de volta!
A dupla hardcore mantém-se desde o início. Mudaram muito, é certo: o estilo, a atitude, foram percorrendo caminhos mais ou menos inusitados, mantendo sempre uma enorme qualidade. E agora que a velha Albion resolveu virar costas ao seu próprio continente, Tjinder Singh e Ben Ayres decidiram lançar um bonito postal sonoro: excêntrico, roqueiro, indiano, repleto de especiarias boas para os ouvidos. England Is a Garden é um enorme triunfo, disso não temos dúvidas.
O primeiro aspeto a ter em conta é que a banda continua ambiciosa e à procura do disco perfeito. Eles sabem como lá chegar, uma vez que nos trinta anos que levam de estrada, já por lá andaram bem perto. Se por acaso se espantou pelo que acabámos de escrever, volte a ouvir When I Was Born For The 7th Time (1997), Handcream For a Generation (2002) ou Judy Sucks a Lemon For Breakfast (2009) e depois nem precisa de nos agradecer. É também, como se percebe logo às primeiras audições, o caso deste novíssimo longa duração.
Vamos aos temas mais orelhudos, então. No podium dos primeiros lugares estão “St. Marie Under Canon”, que mais não é do que brit-pop-rock de primeiríssima água; “No Rock Save In Roll”, grande malha, à altura de uns Stones dos anos mais febris e “Highly Amplified” é uma brisa fresca e viciante (aqueles toques de flauta bucólica são lindos de morrer).
Mas há mais, naturalmente. Como as belíssimas “Slingshot” (com direito a um feliz autotune da voz melancólica de Tjinder Singh), “Everywhere That Wog Army Roar” (tema sobre um certo nacionalismo crescente, mas bem disfarçado, em Inglaterra), a instrumental, meditativa e curta “England Is a Garden”, a ótima “Cash Money” (para quem conhece bem a banda saberá que isto é vintage Cornershop pós fase indie-indian-noise, assim como “I’m a Wodden Soldier” (novo cheirinho a Stones, pois claro), e a bem ritmada “One Uncareful Lady Owner”. E, já agora, a última “The Holy Name”, não fica atrás de qualquer outra. Para além das faixas mencionadas serem todas de excelente qualidade, há ainda a salientar o tom bem disposto do álbum, perfeito para se esconjurar o filho da puta do vírus que nos atormenta a existência (desculpem, mas soube-nos bem este pequeno desabafo) e que nos faz ficar em casa em vez de, assim pudéssemos nós, ir para a rua dançar o disco inteiro. Mas havemos de nos vingar…
A música dos Cornershop é do mundo. Desde que surgiram, em Leicester, que foram alargando o seu som até abarcarem o planeta nas suas extensões sonoras. Um dos seus trunfos sempre foi exatamente esse estupendo melting pot que incorpora cítaras e tamboras, flautas e guitarras, sintetizadores e tudo o mais que lhes aprouver para produzir beleza. Isso mesmo, beleza! Essa específica e rara formosura é a essência deste England Is a Garden.
Apesar de ainda estarmos em março de um ano que sabemos estar a ser difícil e que parecerá durar por dois ou três, apesar das nuvens que ameaçam fazer com que “o céu caia nas nossas cabeças”, seremos todos gauleses e resistiremos! Para já, England Is a Garden é o melhor disco que 2020 produziu. Em frases sempre exageradas como a anterior (a ideia, mais do que a sua leitura literal, é o que importa) há uma certeza inequívoca: ouvir este novo trabalho dos Cornershop é um bálsamo para o corpo, para a alma, para o nosso triste mundo!