Os Clã dedicaram o seu sexto disco às crianças. A crítica é dedicada ao Xerife, o meu super-herói favorito, o maior de “asas nos pés”.
Discos infantis são terreno pantanoso, campo de retorno normalmente reduzido, mas fértil em perigos. Uma aventura em que é fácil cair no ridículo, em que o esquecimento é o desfecho mais frequente, uma aventura de que raramente ficam grandes recordações entre os que pagam discos, serviços de streaming ou bilhetes de concertos. Entre os mais novos? Ainda mais complicado. Esses prendem-se nos ritmos, nos refrões orelhudos, preferencialmente, acompanhados por desenhos coloridos. Vale tudo, podem ser cães feitos polícias ou aviões capazes de cumprir missões, mais ou menos arriscadas, de transformar asas em braços e trem de aterragem em pernas.
E eu, que nunca fui freguês de discos infantis (vou resistir à ideia de fazer piadas com os Vampire Weekend) e que nem descendência assegurei, como sei isto? É Xerife de seu nome, bailarino por vocação, prenda da minha irmã e do meu cunhado para o Mundo e, prevejo, com tendência para o hip hop – os Clã que me desculpem, mas nada o faz dançar como Os Tais, do Carlão. Ainda assim, suspeito, que gostará quando lhe apresentar o Disco Voador dos Clã. E a experiência antevê-se tão divertida quanto pedagógica.
Os primeiros segundos de “Amigo do Peito” asseguram que começa a habituar os ouvidos ao rock mais dançante. Logo depois, recebe o primeiro dos ensinamentos para os primeiros anos de liberdade, aquele momento em que a minha irmã, por mais que lhe custe, vai começar a soltar a corda e, no sentido inverso, os pensos rápidos começarem a ser companhia mais frequente – em “Paf Puf” sucedem-se percalços, dos bons, dos que se resolvem com imaginação, afinal “sangue é ketchup” e “chão? Que se lixe”. Segue-se outro aviso (“Embeiçados”), daquelas dores de crescimento, tão inevitáveis, como boas de superar – mal sabe o Xerife que o amor é cego ao ponto de nos podermos apaixonar até por gente “intriguista e moralista”, de “boca torta” e “nariz grande”. Mais à frente, logo os Clã lhe ensinam como se podem amar pessoas de todos géneros, indumentárias, cores e feitios. Da minha parte, agradeço e prometo afastar os papões que tornam o escuro assustador. Mas desses trato eu.
Em Disco Voador há canções, provavelmente, pensadas nos pais e na delicada hora de tentar adormecer as feras, as de embalar. Com o Xerife? Duvido que funcionem e, além disso, é sabido que os Clã sempre foram melhores a fazer-nos dançar do que a desligar. “Impaciente” e “Chocolatando” não duvido que dance sozinho, numa fusão entre a dança contemporânea e as moshadas a almofadas e sofás da sala, sempre a esbracejar ao jeito do Jet (ide ao Google, super-herói em forma de avião vermelho).
É assim o Xerife. Ao mínimo sinal de música, “salta sem parar”, como se tivesse “molas nos pés”, e tudo sem nunca ter ouvido “Asa Delta”, a música de Disco Voador a que nem adultos, nem cachopos resistem, a que assegura que o disco nunca cairá no esquecimento. Os Clã que lhe acertem o passo, eu tentarei acompanhar e dançaremos os dois, quanto mais não seja porque gostava de lhe roubar uns toques para quando reabrirem as pistas de dança para maiores de 18.
Há músicas sobre heróis e papões no escuro, sobre as maravilhas do chocolate e as dores dos desamores, em Disco Voador está uma infância como mandam as regras, as que nos salvam a vida, mas também as que nos garantem esfoladelas nos joelhos. “Nestas coisas de curtir, sou impaciente”, canta a grande Manuela Azevedo, sem conhecer a genica ou as birras do Xerife quando o “chamam à razão”. Afinal, sabe ele, “a vida está aí” para agarrar. Se esfolar? Cá estaremos para dar colo e, logo depois, voltar e a empurrar a bicicleta ou, no caso do Xerife, voltar a por música alto.