O último trabalho dos Chromatics tem uma dualidade de constrastes de cores e ambientes que se propaga por todo o disco e nos devolve à realidade com uma aura de um cinzento mais reluzente.
A morte pode ser um tema badalado no mundo da música e do cinema, mas é também vulgarmente revestido de tabus invisíveis. Um âmago atroz que nem toda a gente quer desconstruir, sob pena de não se viver em pleno, talvez até de se viver a medo. Há sempre um Bowie ou um Reed a ficarem-se para trás para nos relembrarem timidamente da nossa fragilidade, enquanto recalcamos esta força bruta da resignação da existência para podermos continuar a lutar pela tal idílica felicidade.
Closer To Grey nasceu das cinzas de Dear Tommy, o filho prometido que nunca viu a luz do dia. Após uma experiência de quase-morte, Johnny Jewel destruiu todas as cópias físicas do álbum que tinham anunciado em 2014: 15000 CDs e 10000 vinis. Entretanto houve em 2018 o lançamento de Camera e, dos escombros de Dear Tommy, sobrou apenas “I Can Never Be Myself When You’re Around”, e a intensa “Shadows”, que brilhantemente contribuiu para o legado de Julee Cruise na banda sonora de Twin Peaks. As restantes faixas previamente divulgadas deixaram de estar disponíveis e, a 2 de Outubro, com apenas um dia de pré-aviso, revelam Closer To Grey.
E que melhor maneira de começar um álbum do que por “Hello darkness, my old friend?” Reis das covers, mais uma vez, manobram engenhosamente as músicas a seu favor, captando a sua essência base e desdobrando-as em camadas de um negrume tão sombrio quanto sonhador. Antes de “Sound Of Silence” houve “Running Up That Hill” ou “Girls Just Want to Have Fun” – e não é qualquer um que o faz com esta mestria. E nesta faixa de abertura, o primeiro som que ouvimos é o do tempo. Tic, tac, ele está a passar por nós, esse vizinho bandido que nos dá e tira tudo. “You’re No Good”, embora envolvida em tonalidades mais alegres e mais house, embrulha discretamente um amor ensanguentado em panos coloridos, partindo novamente para a escuridão. “Closer To Grey”, faixa-título, vangloria-se dessa ambiguidade. “You say the world is raining colors, I see you standing close to grey”.
Somos personagens de um sonho com Chromatics como pano de fundo. A eterna banda sonora nostálgica das vidas que queremos tornar tão mágicas como as músicas que nos inspiram. E é esta dualidade de constrastes de cores e ambientes que se propaga por todo o disco e nos devolve à realidade com uma aura de um cinzento mais reluzente. Com o aconchego alegre e sadístico de “Twist The Knife” ou o sussurro melancólico de “Light As A Feather”, onde ecoa a absoluta verdade de que “Nothing lasts forever”, ao som da qual dançamos livres entre as amarras da vida que as suas linhas de sintetizadores tornam mais lassas. “Move A Mountain” segue-lhe como a balada de interlúdio, que recebe o inverno e a distância, à espera que os tons cinzentos e azulados se tornem quentes com a chegada de “Touch Red”, também ela uma balada, mas mais envolvente, como um abraço infinito entre a música e o corpo. Mas se todo o disco é coeso e denso, não há contudo nada mais lancinante do que “Whispers In the Wall”: convulsões de sentimentos, melodias devassas e fantasmas consumidos por uma synth-dream-pop sem lei, mas com o seu som bem definido e facilmente reconhecido. Falamos de uma banda de identidade vincada que já redesenhou e reinventou músicas e álbuns a seu bel-prazer, ou por impacto de certos eventos e aprendizagens da vida. E nas suas canções temos um bocadinho de tudo. “Love Theme From Closer To Grey”, sozinha, tem em si sexo, amor e dor, sem que uma palavra seja proferida.
Deixam-nos com esta carta de amor, este bocadinho da sua vida – mais um – que vai sendo um bocadinho da nossa também. E “Wishing Well” é a sua despedida, onde o relógio bate novamente e onde nos contam como o tempo volta a passar e os dias se repetem, mas que sim, porra, ainda podemos sonhar.