Fazem-se de tempo as histórias de blues. De passos mal dados, de uísque, de mulheres, de sucessos e falhanços. Ontem, na Aula Magna, Ben Harper cantou a sua.
Cantou e tocou com o estatuto de quem nos visita há mais de vinte anos. Cantou em casa, para os fiéis que lá estão de início, para os que o descobriram nos anos do estrelato, mas também para um punhado de recém chegados – ontem, na Aula Magna havia gente para ouvir blues.
Se de uísque não há registo, nos blues de Ben Harper são pelo menos quatro as mulheres – filhos tem de dois casamentos, com a mãe gravou um disco e foi na loja da avó que descobriu as guitarras que tanto consertava como tocava. A quem duvide, garanto – o à vontade com o instrumento nota-se. Notou-se em 98 quando o ouvi tocar Jimi Hendrix, notou-se ontem enquanto se entreteve, ora em pé ora sentado, nos blues.
A lenda diz que tem sangue índio e judeu, que foi num concerto de Marley e Tosh que percebeu o que queria na vida. A história diz que em 92 lançava o primeiro EP, dois anos depois Welcome to the Cruel World já chegava como aposta de grande editora. A canção, passou pelo rock, pelo pop, pelo reggae e pelo gospel, sem nunca ter andado longe, demorou a chegar aos blues.
Feliz ou infelizmente falhou sempre o assalto ao topo das tabelas e se o bom rock sempre compensou os pecados, ontem Harper apresentou-se de energia renovada. Mojo, chamam-lhe nos blues.
Conhecemos-lhe o arranque imaculado, o pouco à vontade nos grandes palcos, ouvimos-lhe discos desinspirados, políticos e sentimentais, mas nunca lhe ouvimos um disco mau. A chegar aos 50, dois anos depois de Call it what it is com os Innocent Criminals, Ben Harper apresentou-nos ontem No Mercy in this Land, o segundo disco com Charles Musselwhite.
Sem dar sinal de saudade dos palcos de vidas passadas – os que lhe valeram Grammys em 2005 -, mostrou-se confortável de guitarra ao colo, a dividir atenções com a harmónica de Musselwhite e rápido a conquistar a sala esgotada.
Das duas horas de concerto, ficam na memória “No mercy in this land”, “All that matters now”, “The bottle wins again” e “Trust you to dig my grave”, “Movin On”. Para guardar, o momento à capella de “All that matters now” e a ideia de que Ben Harper recuperou o seu mojo. Que se deixe ficar pelos blues, pelas salas pequenas e que não nos deixe de visitar.
Fotografia: Mafalda Piteira de Barros