A quinta edição do Capote Fest aconteceu no passado fim-de-semana, sempre a rock’n’rollar, quase deitando o edifício da SOIR abaixo. Se podia haver Évora sem o seu Capote? Poder, podia, mas não era a mesma coisa…
A aposta no rock emergente de guitarras sujas foi bem acolhida: foi o ano em que o Capote atraiu mais gente, inscrevendo-o definitivamente no mapa dos festivais de música portuguesa. Espreitemos, então, o que de melhor se anda a fazer nas condutas subterrâneas do rock.
Sexta-feira, 7 de Março
Coube aos SemiCirco a honra do pontapé de saída, com o seu groove metal salpicado de electrónica, como quem tenta enfiar os Pantera no olho pitosga do Thom Yorke. Um equilíbrio perfeito entre balanço sincopado e força bruta.
Os bejenses Cancro subiram a parada com um concerto louco e irreverente. A culpa foi do endiabrado Tiago Lopes, que nos dominou do primeiro ao último segundo com o seu demente carisma. “Eu sou cancro, vocês também”, acusou-nos, de samarra aberta e tronco nu rabiscado, enquanto a guitarra distorcida de José Penacho e a batida drum & bass pré-gravada elevavam a nossa pulsação até muito perto da paragem cardíaca. Subjugámo-nos ao seu punk pós-moderno, a raiva de sempre expressa com uma refrescante originalidade.
O punk continuou a dar cartas com os Baleia Baleia Baleia, num registo divertido e despretensioso, que nos fez lembrar Peste & Sida e Dead Kennedys. Como é que apenas um baixo e uma bateria conseguem soar a tanto é coisa que ainda não sabemos bem explicar.
A noite acabou com os sofisticados Marvel Lima espalhando groove e classe à sua volta. A guitarra de José Penacho, rude e distorcida nos Cancro, era agora delicada e complexa, desenhando elegantes acordes jazzísticos. O baixo e a bateria funky, as percussões latinas à Santana e as teclas à Manzarek, eram igualmente cosmopolitas, acrescentando requinte rítmico ao filé mignon?.?
Sábado, 8 de Março
O segundo dia começou com o demolidor thrash metal dos ThrashWall, rápido e pesado, não deixando prisioneiros, para gáudio dos espectadores mais cabeludos, que expressavam a sua felicidade de uma forma estranha, embatendo violentamente uns contra os outros, sempre com uma ternura quase infantil no olhar. O simpático frontman, Luís Rodrigues, depois da sua banda deitar várias paredes abaixo com o dinamite dos seus riffs, apelou com bonomia à paz e à concórdia. Ficámos rendidos à sua esmagadora candura.
Seguiu-se o pós-hardcore sentimental dos minhotos Pedaço Mau, indie pop melódico em certos momentos mas com súbitas explosões de raiva apunkalhada. A presença de uma voz feminina (Katie Sousa) e de outra masculina (Nuno Teles) reforçou esta sedutora dualidade. Foi isso que mais apreciámos na banda minhota: a sua complexidade emocional e a forma arrebatada como a expressaram. Uma nota para o delicioso humor negro de Nuno Teles, que confessou trabalhar numa escola com casos de coronavírus, pedindo-nos antecipadamente desculpa por um eventual contágio. Uns sentiram um calafrio a percorrer-lhes a espinha, outros, mais bebidos, gritaram, efusivos: corona! corona!
Depois de seis anos sem pisarem os palcos, os Uaninauei regressaram à cidade que os viu nascer, numa bonita cumplicidade com os seus fãs de sempre. Eram aos magotes os que entoavam em uníssono o heavy rock dos seus heróis, recordando, talvez, velhas e felizes memórias. Destaque para o enorme Daniel Catarino, que, mesmo acordando afónico, conseguiu arranjar cordas vocais para cantar até ao fim.
Os veteranos Miss Lava encerraram o festival com o seu portentoso stoner rock: sólido, sujo e regado a gasolina. O baixo e a bateria tinham a disciplina implacável de um pelotão de fuzilamento. As guitarras granuladas e setenteiras escorriam óleo espesso no soalho de madeira. Não conseguimos imaginar melhor fecho para esta bonita festa de celebração do rock.
Pelo cartaz, pela adesão, pelo ambiente, o Capote deste ano superou todas as expectativas. Só o rock salva!
Fotografias gentilmente cedidas por Sónia Véstias