Em noite de estreia em Lisboa do seu primeiro álbum em cinco anos, os Capitão Fausto mostraram também a sua nova formação e uma panóplia de canções novas, antigas e intermédias
Foi em 2016 que os Capitão Fausto, baluarte do indie rock lisboeta, arrumaram os LPs dos Tame Impala e trocaram os cabelos compridos por fatos bem cortados. Com o lançamento do muito aclamado Capitão Fausto Têm os Dias Contados, iniciaram uma jornada de descoberta sónica e pessoal, uma “subida infinita”, se quiserem, que os levou a salas maiores e a mais gente, jornada essa que continuaram, com sucesso, em 2019 com A Invenção do Dia Claro. Agora, cinco anos volvidos e a braços com despedidas e com a incerteza do que será o futuro, os Capitão Fausto deram-nos um álbum que cristaliza a sua transformação de jovens alunos de liceu entusiasmados até músicos profissionais com uma identidade sonora e visual bem definida. Sobre o futuro, supomos que ainda não tenham grandes certezas, mas o presente materializou-se esta terça-feira, dia 2, na Culturgest, na sua cidade e junto do público que os tem sempre acompanhado, finalmente a mostrar música nova.
Há 10 anos seria no mínimo esquisita a ideia de ver os Capitão Fausto numa sala tão solene, mas esses dias, como a mocidade deles (e a nossa também?), chegaram ao fim. Não são todas as bandas que se prestam a um concerto com lugares sentados (há um ano vimos os Glockenwise na mesma sala e sentimos isso mesmo) mas o novo Subida Infinita, na sua contemplação agridoce, parece que foi feito para ser degustado com calma, e boas condições de som. Acompanhados por Fernão Biu e Miguel Marôco, os colegas da Cuca Monga recrutados para preencher os espaços deixados pela saída de Francisco “Ferrari” Ferreira da banda, os quatro Capitão Fausto levaram para a Culturgest uma “panóplia de canções novas, antigas e intermédias”, num concerto muitíssimo coeso, com um palco a fazer lembrar o estúdio improvisado em que os Beatles gravaram o Get Back, e bem-adaptado às condições da sala que o ia receber.
Sobre as canções novas, soaram frescas e fiéis à gravação, sendo rapidamente reconhecidas pelo publico atento e sedento de novidades. “Muitas Mais Virão” abriu o concerto com Manuel Palha a brilhar no excelente solo de guitarra que encerra a música. “Andar à Solta” e “Há Sempre um Fardo” devolveram o destaque a Tomás Wallenstein e ajudaram a reduzir a timidez do público que começava a exibir alguns braços no ar e acenos de cabeça concordantes. A belíssima “Nada de Mal” trouxe um “abraço especial ao nosso amigo Gastão”, que certamente aprovaria aquela celebração, e em “Nuvem Negra” tivemos talvez a melhor demonstração da qualidade daquelas canções, com direito ainda a uma salva de palmas ao Ferrari, “o primeiro dos Fausto a ver um concerto de Fausto”. “Cantiga Infinita”, o dueto com Tim Bernardes cantado a uma só voz, “Na Na Nada”, talvez a faixa mais dançável e mais apetecível de ouvir ao vivo, e “Nunca Nada Muda”, que fechou o concerto, encerraram a lista das canções de Subida Infinita, ali tocado na íntegra. A novidade soube, de facto, bem, ainda que alguns membros do público já levassem os refrões na ponta da língua. Não foram anos fáceis, os que os Fausto passaram desde o seu último trabalho, mas dá esperança poder testemunhar que o caminho foi frutífero e que essa subida infinita lhes (e nos) trouxe afinal boas canções que não só funcionam bem em disco como também ao vivo.
As canções intermédias, essas, foram entrecortando a escuta das novas, animando a festa e despoletando reações mais efusivas no público. Os hits de A Invenção do Dia Claro e de Capitão Fausto Têm os Dias Contados como “Faço as Vontades”, “Sempre Bem” e “Corazón” soaram aos números bem ensaiados que são, sem acrescentar grande coisa ao que já ouvimos dos Fausto no passado, mas também sem embaraçar ninguém. “Certeza” teve direito a uma versão mais longa, com destaque para o saxofone alto de Fernão Biu (estupenda adição) e para o solo mais rock executado por Tomás e deu origem ao aplaudo mais entusiasmado da noite, igualado apenas pela resposta a “Amanhã Tou Melhor” e a “Lentamente”, canção que abriu o encore.
Nota final para falar das canções antigas, ou melhor, da canção antiga. “Santa Ana”, última representante de uns Capitão Fausto por quem temos muito carinho, mas que, quer queiramos quer não, já não existem, foi a única música dos dois primeiros álbuns a entrar no alinhamento. A escolha foi assisada, afinal nem Gazela nem Pesar o Sol se dariam bem com aquele auditório ordeiro, prova disso é que toda a plateia se pôs de pé para cantar o refrão e dançar com a banda, todos eles satisfeitos com a reação. Foi delicioso este momento de caos ordeiro no meio de um concerto que pareceu imensamente pensado e bem ensaiado. Esperamos ver Fernão a tocar mais vezes riffs de guitarra na flauta, ao desafio com Manuel.
Assim foi a estreia de Subida Infinita, uma celebração feliz de uma carreira que, apesar de tudo, ainda tem muito para dar e uma confirmação de que aquelas “carcaças velhas”, como disse Tomás, ainda são, no fundo, os mesmos miúdos entusiasmados, que só querem pôr toda a gente a pular. Como diz Tomás em “Muitas Mais Virão”, “Enquanto há tempo, fazemos a festa, (…) até se for para estar a chorar”.
Alinhamento:
- Muitas Mais Virão
- Andar A Solta
- Há Sempre Um Fardo
- Faço As Vontades
- Sempre Bem
- Corazón
- Nada De Mal
- Amor A Nossa Vida
- Nuvem Negra
- Cantiga Infinita
- Certeza
- Na Na Nada
- Morro Na Praia
- Amanhã Tou Melhor
- Santa Ana
- Boa Memória
Encore
- Lentamente
- Nunca Nada Muda
Fotografias por Vera Marmelo cedidas pela organização.