Um disco excelente, nascido em condições difíceis. Um óptimo exemplo de como deve um artista canalizar para a obra as dores que corroem por dentro.
É com relativa surpresa que encontramos, hoje, os Cage The Elephant neste patamar. Já os acompanhamos quase desde o início e, em boa verdade, acreditávamos que não iam durar muito, nem teriam tanto sucesso. Uma banda de rock, mais uma, num tempo em que o rock está a ser cada vez mais posto em causa. Embora lhes desejássemos longa vida, as probabilidades eram que não durassem muito mais que 2 ou 3 álbuns.
Mas aleluia, estão cá, lançaram agora o quinto disco de originais que é, provavelmente, o melhor da carreira. E mostram que estão cá para ajudar a salvar o rock, se salvação for necessária.
Social Cues teve um parto difícil. O disco começou a ganhar forma ao mesmo tempo que a vida do vocalista Matt Shultz começava a desabar. Divorciou-se da mulher, com quem estava casado há 7 anos e de quem tem uma filha. O divórcio atirou o músico para o fundo de um buraco negro, uma espiral de álcool e drogas (é rock, sim senhor), mas os colegas de banda chegaram a temer – pela música e pelo músico. Há relatos de sessões de gravação com Shultz deitado no chão da sala a fazer birra para não cantar, houve sessões de quase pancadaria com o irmão, Brad Shultz, guitarrista.
Certo é que o músico acabou por ser puxado para o lado certo da luz, expurgou nas canções os seus demónios e fez de Social Cues um disco incrível. Não é um disco desalmadamente sobre divórcio – ainda bem – mas as feridas que isso deixou estão presentes em várias canções: pedidos de desculpa, canções de despedida e de exortação a seguir em frente.
Enquanto disco, é um produto coeso, sólido e equilibrado, com espaço para rock’n’roll a sério, para baladas orquestrais (inspiradas no disco anterior) e para alguns passeios fora de pé, como é exemplo a canção que tem a participação especial de Beck, “Night Running”, um quase dub a fazer lembrar Stone Roses e, curiosamente, a canção mais fraca do disco.
Se tivermos de isolar, há pelo menos 6 músicas incríveis; “House of Glass”, “Ready To Let Go”, “Broken Boy”, “Dance Dance”, “Tokyo Smoke” e o tributo óbvio a David Bowie, “Social Cues” (que soa a “Ashes to Ashes” e “Sound and Vision” ao mesmo tempo).
“Goodbye”, “Love’s The Only Way”, “The War is Over” e “Skin and Bones” mostram como a melancolia de Matt Shultz facilmente se converte em melodias tocantes sem ser lamechas.
Dêmos graças por, em 2019, ainda haver bandas como os Cage The Elephant que estão cá, se não for por mais nada, é para nos salvar à guitarrada.