I Trawl The Megahertz é fruto da inspiração de Paddy McAloon, vocalista e principal motor dos Prefab Sprout, que navegou pelas frequências mentais e acabou por convertê-las em disco. Originalmente lançado em 2003 como trabalho a solo, surgiu na altura como inesperado este álbum que tem agora remasterização e reedição sob o nome original da banda.
Lá para o início dos anos 2000, McAloon estava no meio de uma luta contra vários problemas de saúde, como tinido na sequência de doença de Ménière e um deslocamento de retina. A posterior operação aos olhos correu bem, não se preocupem, mas nessa altura isto levou-o a concentrar-se mais em registos de áudio, como audiolivros ou transmissões de rádio. Durante este período o músico começou a gravar excertos de programas, conversas e frases isoladas que aos poucos foram construindo uma narrativa na sua cabeça, onde vozes se combinavam com instrumentos de cordas e sopros.
Esta espécide de edição mental de McAloon foi depois trabalhada por ele inteiramente ao computador com recurso a versões MIDI, e em seguida transposta pelas mãos de Calum Malcom e David McGuiness para algo mais orquestral. O resultado é um disco predominantemente instrumental, com excepção à faixa-título, que domina todo o trabalho, quer pela sua duração, (22 minutos) como pelo fio condutor e narração que o acompanha. A voz de Paddy McAloon ouve-se apenas em “Sleeping Rough”, onde canta de forma suave que vai deixar crescer uma longa barba, algo que, curiosamente ou não, acabou por acontecer mais tarde.
A questão que temos de pôr é se vale a pena voltar a pegar neste trabalho e dar-lhe nova capa. Na altura com medo de que os fãs associassem este disco ao trabalho de Prefab Sprout, visto ser mais conceptual e sem algo que se possa confundir com um single, o disco foi lançado com o nome do vocalista. Foi uma edição que passou algo despercebida por muitos e depois deste álbum, McAloon lançou até agora mais dois discos como Prefab Sprout; Lets Change The World With Music, um álbum que se tinha perdido no tempo das demos e teria sido cronologicamente o sucessor de Jordan: The Comeback, e em 2013, Crimson/Red com canções novas.
McAloon nunca foi um compositor pop clássico desde o início. O primeiro tema editado pelos Prefab Sprout chama-se “Lions In My Own Garden (Exit Someone)”. Se lermos a primeira letra de cada palavra, soletramos a cidade de Limoges, onde McAloon manteve um interesse amoroso. Nos vários discos que a banda lançou podemos distinguir um humor subtil e a progressão de algumas temáticas oblíquas que, com a ajuda de Thomas Dolby nos três discos que produziu e ajudou a formar o som do grupo, fez desta uma banda mais além dos singles que, isoladamente, obtiveram algum sucesso.
Por exemplo, se “King Of Rock ‘n’ Roll” é divertido de cantar, não deixa de ser uma reflexão sobre one-hit wonders e no mesmo disco, de 1988, From Langley Park to Memphis, (onde se confirma ainda mais a atracção de McAloon pelo sonho americano e temas ligados aos EUA) “Cars And Girls” faz referência a Bruce Springsteen e as suas temáticas musicais.
Em 2003 e especialmente agora com o lançamento em nome da banda que se confunde com ele, Paddy McAloon não engana niguém e não esconde a sua profundidade musical. Infelizmente para os fãs, este não é um novo trabalho e a remasterização traz pouca novidade. No fundo, peca mais por não ser material novo e nem o lançamento em vinil será uma mais valia para os melómanos, mesmo com a curiosidade de a primeira faixa ocupar todo o lado A. Para quem não conhece este lado do vocalista dos Prefab Sprout, vale a pena espreitar, nunca à espera de encontrar a canção pop perfeita, mas sim um som mais maduro.
O disco flui de uma uma forma inesperada, a soar à banda sonora de uma maioridade diferente e menos explorada, dos adultos, da nostalgia e dos fragmentos da vida nem sempre fácil, como em “I’m 49”. Acompanha uma tarde ou noite de reflexão, contemplativa, para nos podermos perder nas sonoridades e abraçar o sentimento que a vida tem os seus altos e baixos e já começamos a aprender a lidar com isso. Acompanha também um bom vinho e uma conversa, se a relfexão for uma coisa que fica para resolver no duche.