O Coliseu dos Recreios engalanou-se para rever um dos artistas que possivelmente mais vezes por ali passou (não vamos ter em conta a residência artística de Zambujo e Araújo para este efeito).
Noite quente em Lisboa, mas quente quente mesmo dentro do Coliseu. Os leques e papéis publicitando outros quaisquer concertos irrelevantes que nos dão à entrada abanavam nas faces, trazendo breves momentos de arrefecimento, mas foi sol de pouca dura, porque às 22h15 subiu a cortina e aí não houve leque que nos valesse. A família Veloso já estava prontinha para atacar “Alegria, Alegria”, clássico intemporal, e bem adequada ao calor tropical que se fazia sentir. Já se tinha ouvido o disco do show, já sabíamos o que vinha aí, mas mesmo assim a modernidade e simplicidade desta pérola do primeiro disco de Caetano não deixa ninguém indiferente.
As músicas do setlist foram escolhidas a dedo, afinal de contas este não foi um simples concerto de Caetano Veloso, foi sim uma celebração de família a quem nos foi dada permissão de assistir. Caetano, ao longo da sua carreira de já mais de 50 anos (celebrados em 2015 com um dos seus comparsas mais antigos, Gilberto Gil) já partilhou palco com muitos e incríveis artistas, mas temos poucas dúvidas que esta tour que está a fazer com este Ofertório será das que maior prazer lhe dá. Tantas músicas feitas para e com os filhos, para as mulheres, para a mítica Dona Canô, com a sua irmã Bethânia, a força da música é mesmo forte nesta família, e Caetano trouxe para apresentar ao Coliseu e a Lisboa os mais novos membros da mesma. Moreno já o fomos conhecendo, com concertos em 2015 e 2016 em salas mais pequenas da capital, Tom já vem fazendo música há uns dois anos com a sua banda Dônica, mas Zeca é mesmo estreia absoluta. E fazer uma estreia absoluta com uma música incrível como é “Todo Homem”, com um falsete brilhante, com a frase “Todo homem, precisa de uma mãe”, a reforçar todo o conceito por trás deste espectáculo, não será para qualquer um.
Não só de música se fez o concerto. Os momentos em que, Tom primeiro, Moreno e o próprio Caetano depois, se levantam e desfilam pelo palco em passos sambistas são também marcantes, dá para sentir que estão no quintal de sua casa, lá em Santo Amaro da Purificação, num descontraído almoço que se prolonga pela tarde fora. Moreno traz até a sua combinação de faca e prato para ritmar várias músicas, destacando destas “How Beautiful Could a Being Be” feita por Moreno para Caetano e incluída no álbum Livro.
Houve também tempo para Moreno cantar uma música que “não sabia tocar, mas aprendi só para fazer meu pai feliz. E também porque a música é bonitinha” – nem mais nem menos que “O Leãozinho”; para a primeira colaboração de sempre entre pai e filho, tinha Moreno 9 anos, fazendo a letra de “Um Canto de Afoxé para o Bloco de Ilê”; para o eco de Amália Rodrigues com uma interpretação sublime de “Noites de Santo António”; para um final apoteótico que só se fez em Lisboa, com “A Luz de Tieta”, já em segundo encore, quando muitos já fugiam para evitar a confusão da saída.
Caetano trouxe a família de sangue para apresentar à família de Lisboa, que o acompanha inquestionavelmente há muitos muitos anos, a cada “passo a frente / passo atrás”, e o recebe sempre de sala cheia. Tantas vezes nos visitou deixando a família de lá, tantas vezes preferiu não vir cá para ficar com a família de lá, mas eis que agora tudo se conjugou. Valeu a pena a espera!