Sejamos claros e diretos: o que aqui encontramos é algo que vos fará abanar a cabeça (a expressão inglesa headbanging parece-me justa neste contexto), rock de garagem puro e duro, sem quaisquer pretensos intelectualismos, música para ser ouvida com o volume próximo do máximo, mesmo à beira do sangramento auditivo. Só assim poderão entender este magnífico objeto sonoro que dá pelo nome de Love Peace & Fuck (Impresario, 2001), dos Brain Donor. Kevlar, Dogman e Julian H (ou seja, e pela mesma ordem, Kevin Bales, Anthony Foster e Julian Cope) surgem como power trio neste primeiro trabalho da banda, para que se perceba que a música mais agressiva pode ser, mesmo assim, melodiosa e frenética ao mesmo tempo. Claro que já há muito sabíamos dessa possibilidade, mas isso parece-me tão evidente aqui, que quase serve como forma de ensinamento. Acrescento mais, ainda: ouvir este tiro sónico poderá muito bem servir como uma espécie de compêndio introdutório à boa arte de fazer rock “forte e feio”, sem que a expressão entre aspas tenha qualquer ponta de sentido depreciativo. Sigamos, então!
Os riffs de guitarra são mais que muitos, e avançam para nós em todas as direções. Não vale a pena tentarmos fugir deles, esquivando-nos dos seus impactos, pois eles atingem-nos pujantemente quer queiramos, quer não. No fim, não haverá nódoas negras nem no corpo, nem na cabeça, garanto-vos. Apenas um estado de aturdimento interior, como que perguntando “o que foi isto, o que se passou aqui?!” She Saw Me Coming dá o mote, e abre o disco a rasgar. Depois vem Get Off Your Pretty Face, e estraçalha tudo o que ainda se mantinha mais ou menos em pé. Este ritmo “destruidor” percorre o disco até ao fim, e nesses entretantos vem-nos à cabeça MC5, os Stooges, Sir Lord Baltimore e preciosidades semelhantes. (É nestas alturas que não ter cabelo se torna quase um problema insuperável, if you know what i mean!) Passamos por Pagan Dawn, Odin’s Gift to his Mother – que tem 4 fases bem diferentes -, e avançamos para Hairy Music. Vamos a caminho do final de Love Peace & Fuck e já transpiramos por todos os poros. Mas queremos mais, bastante mais, e os Brain Donor não nos deixam desamparados, brindando-nos com o soberbo U-Know!, uma das minhas faixas preferidas, talvez mesmo a que mais me deixa satisfeito. Julian Cope vai gritando “U-Know” de quando em vez, e com esse refrão passa-nos uma ideia de comunhão entre a intenção dos músicos e a aceitação plena dos ouvintes, que entendem perfeitamente o que estão a ouvir. Esse entendimento, no entanto, é sobretudo físico, coisa que vem de dentro, orgânico e visceral. Até ao fim ainda há tempo para You Take the Credit, Lughnasad e She’s Gotta Have It. Só depois, o silêncio. No entanto, e depois da pancada recebida, fica o conselho : “U-better check your pulse before you look the same”, como se canta em Hairy Music.
Não posso terminar este texto sem alertar os eventuais futuros ouvintes deste disco: o que vos pode soar de forma imperfeita em algumas canções (altos e baixos no volume da gravação, cortes abruptos no fading de certos temas) é algo realizado propositadamente, e que tem tudo a ver com a ideia “in your face” do projeto, no seu todo. Não nos esqueçamos que há uma apreciável dose de sujidade sonora intencional em todos estes 67 minutos e picos de duração, o que dá, e de que maneira, um final touch luxuoso a Love Peace & Fuck.
Ótima resenha,como sempre.