Quero falar-vos de um dos primeiros álbuns de jazz que tive, e que acabou por servir como porta de entrada para esse mundo, estranho ao princípio, mas muito absorvente pouco depois.
Falo de Sunday at the Village Vanguard, pelo Bill Evans Trio.
Gravado, como todos os discos de jazz daquela altura, num único dia, numa única sessão com vários takes alternativos. Neste caso, foi gravado ao vivo no Village Vanguard, em Nova Iorque, a 25 de Junho de 1961. Não sei nada do sítio, mas entre as músicas e nos momentos mais calmos pode ouvir-se o barulho de copos e de talheres. E, enquanto isso, três grandes músicos no palco iam fazendo alguma da melhor música alguma vez feita. E, entre as músicas, os comensais brindam a banda com tímidos e desinteressados aplausos, não sabendo que, de facto, estavam a presenciar história.
O trio era composto por Bill Evans, o grande pianista, Paul Motian, na bateria, e Scott La Faro, no contrabaixo. Nada de instrumentos de sopro, nenhum som a rasgar, tudo muito soft, elegante e sensível.
Às vezes, parece música de piano bar, mas a melhor música de piano bar que alguma vez ouvi.
Para além da enorme qualidade do disco, outro facto significativo foi que La Faro, um revolucionário do baixo, morreu poucos dias depois deste concerto, num acidente de automóvel. Foi uma grande perda para o jazz, e este disco funciona um pouco como o seu testamento. Saíram dois discos deste concerto: este e outro, igualmente fabuloso, o “Waltz for Debby”. Este último é talvez melhor ainda, porque é mais variado e lírico, mas o alinhamento de Sunday at the Village Vanguard foi escolhido de forma a incluir as músicas com melhor prestação de La Faro, como uma homenagem.
É um disco perfeito para inúmeras ocasiões. Ouvi-lo com atenção, de phones, como estou a fazer agora; como “cama musical” para um jantar e converseta com amigos; como acompanhamento de um bom livro, quando lá fora está frio e chuvoso.
Há muitos anos atrás, eu e uns amigos fizemos uma férias nos Açores. Ficámos em casa do pai de uma amiga nossa, uma casa excelente na Terceira. Dormimos em sacos-cama na garagem mas, em compensação, tínhamos à disposição uma piscina fantástica, um frigorífico sempre atestado de Carlsbergs fresquíssimas, e um rádio portátil com leitor de cds. E quantas noites passámos nós à beira da piscina, a conversar e a jogar cartas, ao som deste disco. Uma noite com bons amigos, o céu estrelado por cima, e Bill Evans no rádio. Estava bastante deprimido nessa altura, mas a verdade é que, quando penso nessas férias, vem-me um feeling positivo, e vem-me a lembrança dessas noites, e deste som. Só deixou marcas boas, portanto.
Tenho mais uns quantos discos de Bill Evans, mas destaco particularmente um: From Left to Right, em que ele alterna um piano clássico com um piano eléctrico. É o melhor som para acordar na boa, e para adormecer.
E as boas notícias são que qualquer um destes discos existe na lojas decentes, e a preços ridiculamente baixos. Se isto vos disse qualquer coisa, façam um favor a vocês próprios e comprem-nos. Se gostarem deles metade do que eu gosto, vai valer a pena.
PS: Este artigo data de 2009 e faz parte da série “O Disco da minha Vida” do blog Vodka Atónito.