O oitavo disco de Beth Orton, Weather Alive, é triste e contemplativo. Como quem olha pela janela e se perde na chuva.
Se a obra de Beth Orton tem oscilado entre a folk pastoral e o bulício electrónico – as mais das vezes, entrelaçando as duas linguagens -, o seu novo disco, Weather Alive, foge ao movimento pendular do costume. Por aqui, não passam nem dedilhados de viola, nem programações de beats. Aqui quem manda é outro senhor: um piano vertical manhoso, comprado em segunda mão no mercado de Camden. E eis a pechincha como capitão…
No barracão do jardim, onde está o piano, Beth foi procurando memórias perdidas, a chuva na janela marcando o ritmo langoroso, e o mistério da vida ensopando-lhe a alma, cíclica como a natureza envolvente: nascimento, morte, amor, fim.
E nesse estado de graça – quando se consegue por segundos agarrar o espírito, domando-o com as palavras certas porque ainda em carne viva – foram aparecendo as canções de Weather Alive. As suas melodias tristes e arrastadas, com tons menores a condizer, são gente simples – três acordes bastam para distrair o bucho, dispensando o luxo de um refrão. É difícil distingui-las, confessamos, o que não é defeito, é feitio, porque neste disco a atmosfera – lânguida e difusa – é tudo, muito mais importante do que a plebeia melodia.
Beth tomou uma decisão inédita: assumir sozinha a produção. Em boa hora o fez porque Weather Alive é, de longe, o seu álbum mais bonito e coeso.
Ora, vejamos.
O piano é minimal e expressionista? É, pois. Parece a chuva a cair.
O saxofone de Alabaster DePlume não toca, parece que suspira? Também. Não lhe pagam para mais.
As teclas e a guitarra eléctrica zumbem ao fundo, tensas e dissonantes? Confere. Têm má índole e um único propósito na vida: causar-nos ansiedade.
A bateria sincopada obriga a nostalgia a levantar-se da cama? Check. Para uns pezinhos de dança. Em câmara lenta, como na TV…
Chamar-nos-ão loucos, talvez, mas a verdade desconfortável tem que ser dita por alguém: Weather Alive é um disco de R&B. Sim, sabemos, Beth é uma bifa cor de lixívia, mas nunca foi a melanina a definir a música soul, mas sim a alma despejada inteira cá para fora, justamente o que por aqui acontece. A sua voz espessa e magoada, cheia de rugas e cicatrizes, não nos deixa mentir. Os fraseados soturnos como o blues lamacento, e as inflexões noctívagas de jazz fumarento, denunciam a herança da música negra americana. Dos discos de R&B que ninguém diz que o são, Weather Alive é, de longe, o melhor. Ou talvez nem disco seja. Apenas um sonho acordado. Um calafrio subindo a espinha. Uma saudade que magoa e enternece…