Nunca pensei vir a escrever um texto a propósito de um Best Of. Sou avesso ao género, sobretudo por encontrar nesse formato uma espécie de função utilitária que me aborrece. Mas, como em tudo na vida, há espaço para exceções, e por isso aventuro-me no que será, muito provavelmente, a minha primeira e última incursão por caminhos deste tipo. Faço-o, no entanto, convictamente, uma vez que esta Encyclopedia Of Arto desobedece um pouco à formatação típica deste género de edição. O primeiro disco apresenta doze temas escolhidos por Arto Lindsay (o que me parece interessante, por ser o próprio músico o autor do cardápio que nos oferece), e há ainda uma segunda rodela sonora com outras doze faixas, registando performances a solo (voz e guitarra, ao vivo) do compositor de Richmond, sendo que algumas delas nem sequer fazem parte dos registos de estúdio do músico.
Sou, desde há muito, um entusiasta de Arto Lindsay. Como compositor, pelo seu feeling musical, pela suavidade encantatória da sua voz, pelo excelente produtor que sempre mostrou ser. A este propósito, por exemplo, basta mencionar os discos Estrangeiro (1989), e Circuladô (1991), ambos de Caetano Veloso, bem como Mais (1991), Verde, Anil, Amarelo, Cor de Rosa e Carvão (1994), Barulhinho Bom (1996) e o deslumbrante Memórias, Crónicas e Declarações de Amor (2000), da especialíssima Marisa Monte. Como se tudo isto não bastasse, e mesmo sabendo que tantas outras coisas ficaram por dizer, Arto Lindsay ainda nos deixou um legado musical importante, antes de se iniciar numa carreira a solo. As bandas DNA e Ambitious Lovers são exemplos desse percurso mais longínquo, embora a carreira de Lindsay não se esgote no que aqui deixei registado.
No primeiro disco desta Encyclopedia of Arto encontramos, de forma equilibradamente distribuída, canções dos discos O Corpo Sutil (disco de 1996, e cuja crítica pode ser lida neste mesmo site), Mundo Civilizado (1996), Noon Chill (1997), Prize (1999), Invoke (2002) e Salt (2004). Desde esta última data até aos dias de hoje, Arto Lindsay tem andado afastado da edição de discos, embora uma ou outra aparição tenha acontecido, mas sem significado digno de registo. Assim, o que aqui se pode encontrar é uma boa dose do estilo sincrético do músico norte americano mais brasileiro do mundo, uma vez que durante largos anos por lá viveu, e sorveu do universo tropicalista muito do néctar primoroso que essa época produziu. A par desse terreno sonoro, Arto namorou com a Bossa Nova, com a eletrónica, e desse convívio foi-nos dando mostra da sua extrema qualidade musical. Canções como “Child Prodigy”, “Simply Are”, “Ondina” ou “Personagem” são brilhantes nas fusões que revelam, mas sente-se neste best of a falta de muitas outras, como sejam “My Mind Is Going”, “No Meu Sotaque”, “Mulata Fuzarqueira”, “Mundo Civilizado” ou “Mar da Gávea”. Com a inclusão destas canções, esta Encyclopedia of Arto seria um caso ainda mais sério do que já é.
Quanto ao segundo disco, convém começar por referir que Arto Lindsay (lembro que as canções aqui são apresentadas no formato voz e guitarra) não toca guitarra de forma convencional. Aliás, e para ser absolutamente exato, Arto Lindsay não sabe tocar guitarra, embora a utilize de maneira particular, criando momentos sonoros de ruído e caos, mas que soam bem a qualquer ouvido que não se mostre absolutamente surdo ao encanto que certas descargas elétricas podem ter. A voz de Arto é, neste caso, aquilo que nos guia, sendo a guitarra aquilo que nos desvia de um caminho que temos de ser nós, os ouvintes, a encontrar. Por aqui testemunhamos estranhas covers de Prince (“Erotic City”), de Al Green (“Simply Beautiful”, que aparece completamente diferente da versão de estúdio de Mundo Civilizado), de Chico Buarque (“Estação Derradeira”), de Zeca Pagodinho (“Maneiras”) e Ilê Aiyê (“O Mais Belo dos Belos”). Assim, divididos entre o céu (disco um) e uma sedutora e tenebrosa visão do inferno (disco dois), somos levados a conhecer o mundo de Arto Lindsay. Vale a pena experimentar, acredite. Pode ser que venha a gostar do resultado desta erudita Encyclopedia.
Pensava que Arto Lindsay fosse apenas produtor,vou tentar ouvi-lo – Quanto ao valor das coletâneas,concordo contigo,para conhecer e apreciar um artista,de fato,temos de ouvir seus álbuns de carreira.